17 junho 2006

A oportunidade perdida

O facto urbanístico mais importante ocorrido em Lisboa nos últimos 150 anos foi, porventura, a demolição do Passeio Público e a abertura da Avenida da Liberdade. A demolição desse jardim pombalino, que se iniciou em 1879 por vontade de Rosa Araújo para abrir um “boulevard” de gosto parisiense, significou para Lisboa o crescimento para Norte, em detrimento da tendência secular de crescimento para Ocidente. As Avenidas Novas (de Ressano Garcia), o Bairro do Areeiro (estruturado pela praça de Cristino da Silva, de 1938), o Bairro de Alvalade (a célebre “Urbanização da Zona a Sul da Av. Alferes Malheiro” – actual Av. do Brasil – de Faria da Costa, de 1946), Telheiras ou a mais recente urbanização da Musgueira e da Ameixoeira (apelidada de “Alta de Lisboa”) resultam dessa tendência. Tal como o deslocamento do “centro” de Lisboa da tradicional Baixa para o eixo Marquês de Pombal – Saldanha – Campo Pequeno, onde se se concentram os principais serviços e se festejam, nomeadamente, as vitórias desportivas.
Esse eixo é estruturado pela Linha Amarela (ou Girassol) do Metro, claramente a mais urbana e central das quatro linhas existentes. O seu prolongamento do Campo Grande a Odivelas reforça essa tendência já secular de crescimento das zonas mais centrais de Lisboa para Norte (por exemplo, não é por acaso que a Alta de Lisboa vai ter uma grande avenida com a mesma orientação da Av. da Liberdade) e poderia colocar Odivelas no mapa dos lugares mais centrais – no sentido não apenas da acessibilidade mas, sobretudo, da hierarquia funcional – do território metropolitano Norte.
Ora, só mesmo o burro que ganhou ao Ferrari na Calçada de Carriche é que não percebia que a vinda de tão importante linha do Metro para Odivelas, conjugada com a citada tendência estrutural de crescimento de Lisboa para Norte, era a oportunidade absolutamente única e histórica de colocar Odivelas no mapa, de construir uma nova centralidade metropolitana assente numa oferta de escritórios e de comércio de qualidade, apagando a imagem de dormitório e de quintal. Bastava olhar para os exemplos das linhas Vermelha (Expo) e Azul (Amadora Este – Falagueira).
Em vez disso, as “cabeças pensantes” deste País começaram por criar um pseudo-interface no Olival Basto, com uma limitada oferta de estacionamento e, pior ainda, localizado exactamente no local de acesso mais congestionado – que, naturalmente, ficou ainda mais congestionado: ao trânsito dos que têm mesmo de levar o carro para Lisboa por Carriche, junta-se há dois anos o trânsito daqueles que tentam, por vezes ingloriamente, não levar o carro para Lisboa.
Mas há mais! Criou-se a estação de Odivelas, cujo término deve ter custado uma fortuna (envolveu poço e prédio “no ar”), que serve uma zona urbana consolidada (e a Junta de Freguesia, importa dizê-lo), com grandes limitações de oferta de estacionamento e de transportes públicos e que nem sequer tem grandes hipóteses de se vir a constituir como uma centralidade suburbana, quanto mais metropolitana. Resultado: congestionamento, poluição e insegurança – agravada pela estação de Metro de Odivelas desembocar em locais com desenho urbano desfavorável e mal iluminados (túnel da Codivel, parte inferior do viaduto do IC22, um ainda descampado).
Temos aqui um lindo serviço, sem dúvida. Pior era impossível. Odivelas parece muitas vezes uma aldeia em ponto grande...

13 junho 2006

Um projecto de cidade


Um projecto de cidade ou ... uma cidade sem projecto?

06 junho 2006

Toiros, Fados e Patuscadas

Ao contrário do que alguma imprensa “tuga” fez crêr ao povo, a Praça de Toiros do Campo Pequeno não foi inaugurada há cerca de 15 dias mas no longínquo ano de 1892. Vai fazer no dia 18 de Agosto precisamente 114 anos!
A tradição das touradas em Lisboa é, aliás, muito antiga. Antes da construção da “Monumental”, as corridas realizavam-se no Campo de Sant’Ana, em praça localizada sensivelmente onde está hoje a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Foi assim de 1831 a 1877.
Nesses tempos longínquos, os toiros eram conduzidos, em grande festa, até à Praça de Sant’Ana por ruas e azinhagas vindos dos nossos lados. Assim nos conta o ilustre olissipógrafo Appio Sottomayor (Lisboa D’Outros Tempos, A Capital / IMPREOPA, p. 70):
“Vindos de terras saloias, os toiros eram recebidos, no próprio dia da corrida ou na véspera, à entrada da Calçada de Carriche por uma verdadeira chusma de cavaleiros e tipóias. Daí seguia o desfile pela Estrada do Lumiar (actual Alameda das Linhas de Torres), Campo Grande e Campo Pequeno; passando pelas imediações do Palácio das Galveias (que lá continua); entrava na estrada do Arco do Cego e daí seguia pela calçada e rua de Arroios até Santa Bárbara, subindo pelo Paço da Rainha até ao Campo de Sant’Ana. Ao longo de todo o percurso o espectáculo era ruidoso e colorido (...)”.
“O grande negócio das entradas de toiros na cidade cabia, porém, aos retiros e demais sítios onde se pestiscava bem e bebia melhor. Muitos fidalgos e populares perdiam a noite, aguardando o momento da passagem dos animais para se incorporarem no cortejo. Era então boa ocasião para a bela comezaina e o excelente fado. As guitarras gemiam e as gargantas dessedentavam-se. De Carriche ao Arco do Cego não faltava onde: os retiros de Nova Sintra, da Patusca, do Colete Encarnado, do António da Joana ... Ainda resta bem vivo o Quebra-Bilhas, no Campo Grande (...)”.
Que pena ter-se perdido para os lados de Odivelas esta tradição taurina que já há alguns anos se tentou reabilitar. Permanece, contudo, a tradição dos petiscos e existem alguns esforços, quer públicos quer privados, para que não morra a do fado.
Carriche, apesar do trânsito, lá vai mantendo alguma rusticidade de outros tempos. Quantos lugares se podem gabar de, a cerca de 100 metros de Lisboa, possuírem uma casa (Coelho Pereira) que exibe, orgulhosamente, motocultivadoras – numa clara “afronta” aos valores urbanos dominantes?