23 dezembro 2006

O poste de Natal

Para todos o(a)s amigo(a)s e leitores assíduos deste espaço de reflexão, sinceros votos de um santo e feliz Natal!
Como postal optei, não pela tradicional árvore, mas por um poste de alta tensão e por uma sugestão, dirigida aos nossos responsáveis autárquicos: por que não decorar com iluminações de Natal, em ano de orçamento mais folgado, os muitos postes que "ornamentam" o nosso concelho, seguindo o exemplo da prática adoptada por um conhecido banco no Terreiro do Paço? Seria, seguramente, a maior concentração da Europa, e talvez do mundo, de árvores de Natal gigantes! E seríamos ainda mais grandes nas árvores de Natal e ... pequenos em quase tudo.
Feliz Natal!

20 dezembro 2006

A cidade comercial

Pertenço a uma geração que cresceu fascinada com os primeiros centros comerciais que se construíram em Lisboa, com o “Apolo 70” e com o vizinho “Arco-Íris”, com o “Centro Comercial de Alvalade” ou com o “Imaviz”. Eram (e são) espaços, em geral, interessantes na medida em que complementam e prolongam a rua, favorecendo a urbanidade. De alguma forma, “destroem” o quarteirão, garantindo alguma permeabilidade ao respectivo interior – algo que os urbanistas modernos tanto apreciam.
O resto da história é mais ou menos conhecida de todos. Primeiro vieram as Amoreiras, depois o Cascais Shopping e o Colombo, e assim por diante. Hoje, imperam os grandes centros comerciais, verdadeiras (?) cidades dentro da cidade, ou melhor, da metrópole, dado que, nos últimos anos, esses grandes espaços comerciais têm-se desenvolvido fundamentalmente nos subúrbios. Só no eixo Odivelas-Loures contam-se três, e vem já um quarto a caminho, sensivelmente na fronteira entre os concelhos da Amadora e de Odivelas.
Muito se tem falado sobre os efeitos nefastos dos mega-centros comerciais no comércio tradicional ou no congestionamento do tráfego automóvel, dado localizarem-se, tipicamente, junto aos principais eixos viários (com o problema a acentuar-se com o aproximar do Natal). Contudo, pouco se fala sobre os efeitos, igualmente nefastos, desses espaços na vida citadina. Organizados como uma pequena cidade, com ruas e praças, os grandes centros comerciais têm vindo a substituir a cidade tradicional como espaço de passeio e de encontro. Se na cidade anglo-saxónica tal não é, porventura, muito dramático, na cidade de tradição mediterrânica é-o seguramente, dado que aqui o espaço público, nomeadamente a rua e a praça, têm uma importância histórica na forma como as pessoas se relacionam e convivem.
Descobri, por acaso, um interessante artigo em que este problema é tratado “sem papas na língua”, do Arq.º Miguel Silva Graça. Chama-se “Espaços públicos e uso colectivo de espaços privados” (disponível em ecultura.sapo.pt) e é uma óptima leitura para esta quadra natalícia, para quem gosta de “ver” o outro lado das coisas. Eis um pequeno extracto, que não dispensa a leitura do artigo na íntegra:

“Liberta dos seus centros e limites, por um novo modelo de cidadania consumidora, a vivência da cidade já não se constrói através de vínculos com os espaços urbanos centrais ou representativos. Substituindo-se a estes, surgem novos espaços privados que se multiplicam nos seus centros e zonas suburbanas.
“Contrastando com uma envolvente fragmentada e descontínua – que acaba abruptamente em vazios, becos sem saída ou em nós viários – os centros comerciais, os parques temáticos, os estádios de futebol ou outras formas híbridas de oferta de consumo e lazer, oferecem espaços arquitectónicos cuidadosamente harmonizados, artificialmente ordenados e permanentemente vigiados. Quase sempre associados a galerias comerciais, áreas de restauração, parques de diversão ou mesmo a zonas de convívio e de descanso, encontramos enquanto denominador comum destes espaços a busca da evasão e da diversão através da via redentora do consumo.
“De entre os vários exemplos, é talvez o centro comercial o que melhor ilustra este modelo, pelas altas taxas de intensidade de uso que evidencia. Pelo carácter mimético que procura formalmente atingir, o centro comercial pode facilmente substituir as vivências urbanas por uma experiência que apesar de possuir um carácter “ageográfico”, satisfaz, através de uma “simulação controlada”, as necessidades de sociabilidade e de “obsessão pela segurança” que os seus utilizadores não conseguem satisfazer plenamente noutros espaços públicos tradicionais.”

De qualquer forma, penso que nem tudo está perdido. Veja-se esse “oásis” lisboeta chamado Picoas Plaza que, pelo menos a mim, fez-me voltar a gostar de uma zona da cidade que parecia perdida para sempre. A óptima livraria também ajuda!
Boas compras de última hora!

15 dezembro 2006

Palmeiras (III)

Califórnia? Marrocos? Não! Odivelas, Portugal!
Trata-se de um conjunto de magníficas palmeiras centenárias que, juntamente com um mirante (também conhecido como "Castelinho"), sobreviveram ao loteamento da Quinta de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Um bom exemplo que mostra como urbanizar não é incompatível com desenvolvimento e bem estar.
Urbanizar pode significar, como aconteceu neste caso, que património natural e construído, outrora de acesso privado, passou a estar acessível a todos.
Bom fim-de-semana de sol e compras!

11 dezembro 2006

Um concelho sem rumo? (I)

No interessante blogue Um Rumo, Miguel Xara-Brasil tem vindo a defender a tese de que a CMO não teve, nem tem, uma estratégia para o desenvolvimento do Concelho de Odivelas.
Penso, sinceramente, que tal não corresponde inteiramente à verdade. De facto, desde o tempo do Dr. Varges que existe um rumo muito claro implícito, nomeadamente, nas políticas urbanísticas: transformar Odivelas num subúrbio de quadros médios e superiores - talvez seguindo o exemplo do que a Amadora fez com Alfragide ou Sintra com Massamá, também conhecida como a "Cascais da Linha de Sintra". Sinal indiscutível desse rumo é qualidade arquitectónica e de construção acima da média que as novas urbanizações tipicamente apresentam (nomeadamente, as Colinas do Cruzeiro, em Porto Pinheiro, e o Amorosa Place, também conhecido como "Mar da Califórnia") ou a aposta na construção de um centro cultural - um tipo de equipamento orientado para um público muito específico e letrado.
Esta estratégia, implícita nas políticas municipais, faz algum sentido, por várias razões.
Em primeiro lugar, a produção de habitação nova em Lisboa dirigida à classe média alta tem vindo a apresentar nos últimos anos algumas contigências importantes. Telheiras, que foi durante vários anos o destino de excelência dos quadros jovens, já está praticamente urbanizada na íntegra e apresenta alguns problemas de segurança devido à proximidade de bairros problemáticos. O Parque das Nações é, como já aqui se defendeu (cf. Finalmente), cada vez mais o "Parque das Ilusões", um local onde a habitação nem sempre vale aquilo que custa, a "Reboleira dos ricos" - de acordo com alguma má língua nacional. Sobra a Alta de Lisboa, que tem um grande problema: não era a Musgueira um dos bairros mais perigosos da Região de Lisboa (e do País), onde a Polícia nem sequer ousava entrar? E não informa a imprensa, com alguma frequência, a ocorrência de tiros para aqueles lados?
Ora, Odivelas, na sua mediania, tem várias potencialidades não menosprezáveis. Para além de solo livre para urbanizar (actualmente, sobretudo em Famões), não foi um espaço tão castigado em termos urbanos nas últimas décadas como a Amadora, Agualva-Cacém, Queluz, Tapada das Mercês, Santo António dos Cavaleiros (parte alta) e outros locais similares da periferia mais próxima de Lisboa. Talvez devido à existência de um importante monumento nacional (o Mosteiro de S. Dinis), nota-se que na Cidade de Odivelas - sobretudo na sua zona mais central - sempre houve algum cuidado por parte do urbanizador (veja-se, por exemplo, a Quinta do Mendes), nomeadamente quando se compara esta cidade com casos como os acima mencionados.
Uma das facetas dessa posição relativamente favorável no contexto suburbano lisboeta é a existência de alguma "paz social". Em particular, Odivelas não consta do mapa dos bairros considerados como os mais problemáticos da região de Lisboa, algo que Lisboa, Cascais, Oeiras e Loures, para além da massacrada Amadora, não se podem gabar.
Paralelamente, Odivelas tem ainda importantes vantagens locativas: para além da proximidade óbvia a Lisboa, é relativamente bem servida de transportes públicos (o factor Metropolitano) e de importantes eixos viários (CRIL, CREL, A8), que permitem ao odivelense colocar-se em qualquer lado com facilidade. As conclusões da CRIL e do IC16, recentemente anunciadas pelo Governo, vão acentuar a centralidade de Odivelas, colocanda-a a 15-20 minutos de Belém e de Sintra - o que não é mau para quem já está a menos de 5 minutos de Lisboa, a 10 minutos do Parque das Nações e a 15 minutos da Linha de Cascais. Ou seja, os principais locais de lazer dos lisboetas metropolitanos da Margem Norte vão ficar todos a menos de 20 minutos num futuro próximo. E já não falo do Oeste, que "está mesmo aqui ao lado".
Odivelas tem ainda algumas características biofísicas muito interessantes, como uma exposição solar e aos ventos dominantes de NW favorável, uma serra apaixonante (Amoreira), um pinhal e uma várzea únicas no contexto metropolitano (Paiã), uma terra (ainda) bonita que se chama Caneças, ribeiras, colinas, vistas. E uma história rica e fidalga. Quantas terras da região de Lisboa (e do País) se podem gabar de ter um monarca sepultado, e logo D. Dinis!
Em segundo lugar, a aposta em habitação dirigida a quadros tem ainda uma importante vantagem (para além das receitas autárquicas...): permite contrabalançar a matriz social dominante no território e pode ajudar a melhorar a imagem que o Concelho emite para o exterior, que, como se sabe, não é famosa. E já está a refrescar o Concelho em termos geracionais (a importância da atracção e da fixação de casais jovens com filhos) e em termos de poder de compra, com benefícios óbvios para o comércio local. Só para se ter uma ideia da importância das novas urbanizações, a Cidade de Odivelas tinha, em 2001, sensivelmente 50 mil habitantes; ora, só na Urbanização da Quinta do Porto Pinheiro vão viver seguramente mais de 10 mil pessoas, dados os seus 4127 fogos (cf. Ferreira, J. R., Obriverca 20 anos, Caleidoscópio, Casal de Cambra, Junho de 2005)! O impacto social, económico e político não será, seguramente, pequeno.
O problema não está nesta estratégia, que me parece acertada e que está, aliás, a ser prosseguida por todos os concelhos da primeira cintura de suburbanização de Lisboa (Amadora, Loures, Vila Franca, Oeiras), com uma ocupação desenfreada de todos os espaços urbanos intersticiais ainda existentes. O problema está na forma como essa estratégia tem vindo a ser implementada em Odivelas.
De facto, construir cidade para "doutores e engenheiros" não é bem a mesma coisa do que fazê-lo para a "rapariguinha do shopping" - relembrando uma canção antiga de Rui Veloso. Quem investe 50, 60 ou 70 mil contos numa habitação permanente quer espaços urbanos cuidados, quer jardins e parques infantis, quer segurança, quer ruas limpas, quer equipamentos de qualidade. E não quer, acho eu, postes de alta tensão em cima da cabeça. É esse salto qualitativo que, sinceramente, acho que ainda não foi dado. Ou, então, o salto tem sido maior do que a perna.
(Continua)

03 dezembro 2006

Cafés, cheias e periferias

Escreveu José Pacheco Pereira, na sua última crónica no Público ("Sentimentos misturados", quinta-feira, 30-11-2006; também publicada no Abrupto em 1-12-2006), que no final da década de 60 em Lisboa "ainda havia «cidade», dizia Jorge Silva Melo [numa entrevista concedida à RTP], ainda havia bairros, ainda havia cafés, teatros, cinemas. Nos cafés, lugar emblemático do convívio permitido no tardo-salazarismo, descreve-se o ambiente do Monte Carlo, da Grã-fina, do Vavá, com os seus grupos diferenciados e as suas hierarquias".
Mais à frente Pacheco Pereira refere que "Jorge Silva de Melo falou também desse momento único da experiência estudantil militante dos anos 60 que foi a tragédia das inundações, quando centenas de estudantes (...) foram ajudar as vítimas ainda a desgraça estava em curso, nas operações de salvamento, de recolha dos mortos, da ajuda aos vivos, de salvamento do pouco que sobrava entre a lama. Nessa intempérie, não muito diferente da que caiu na semana passada, morreu um número desconhecido de pessoas. A censura nunca permitiu que se soubesse o número exacto e muita gente desapareceu desde então". Refira-se que só na região de Odivelas, uma das mais atingidas pela grande cheia da noite de 25 para 26 de Novembro de 1967, estima-se que tenham morrido mais de 300 pessoas!
Refere ainda Pacheco Pereira que "Jorge Silva Melo fala da descoberta desde mundo de pobreza suburbana, que se acentuava no reverso do «milagre económico português» que estava em curso". Relembre-se que é durante o consulado de Marcelo Caetano que Portugal atinge as mais elevadas taxas de crescimento do PIB conhecidas. E continua: "Mas Jorge Silva Melo está (como eu) entre dois mundos: o que gostamos é o que desgostamos. Nas suas memórias entrevistadas está uma contradição que não se sabe resolver. Ele gosta da «plebe», da «canalha» de Gomes Leal, da malta suburbana que fala o português do Kuduro, e queixa-se ao mesmo tempo que ninguém vai ao teatro nesta «não cidade» em que vivemos. Claro que ninguém vai ao teatro, claro que acabaram os cafés (pelo menos em Lisboa), claro que se desertificaram os bairros (...) exactamente porque os filhos deserdados das cheias, os filhos dos operários do Barreiro, os filhos das criadas de servir (...) mandam no consumo e o mundo que eles querem é muito diferente. Eles entraram pelos cafés dentro e transformaram-nos em snackbars e em lanchonetes, entraram pelas televisões e querem os reality shows, entraram pela "cultura" e pela política e não querem o que nós queremos, ou melhor, o que nós queríamos por eles".
Penso, com os limites da minha inteligência, que há aqui alguns raciocínios algo apressados. Primeiro, os cafés ainda não acabaram em Lisboa. O mais antigo café de Lisboa - o Martinho da Arcada (cf. Marina Tavares Dias, Lisboa Desaparecida, Quimera, 1987) - lá se vai aguentando, como restaurante. Também o Nicola e a Brasileira do Chiado continuam de portas abertas e cheios de gente. Esse lugar horroroso chamado Mexicana também. E o Império também ainda não morreu, à custa da sua reconversão, dizem (ainda não lá fui), em "Cabaret da Coxa". Naturalmente que houve e há perdas dolorosas a reportar - como a saudosa Capri ou a Pastelaria Roma. Mas também é verdade que têm surgido alguns cafés simpáticos e cuidados em Lisboa, às vezes conciliando a faceta de café e de bar, apesar de muitas vezes adoptarem um formato "franchisado", o que lhes retira algum encanto e genuinidade.
Em segundo lugar, se é verdade que a matriz social da frequência desses e dos demais cafés de Lisboa deverá ter mudado muito desde os finais da década de 60, tal deve-se, talvez menos aos citados fenómenos de transformação das classes "dominantes", mas sobretudo ao despovoamento da Capital bem como ao aprofundamento da sua especialização em actividades de serviços. Os cafés de Lisboa são cada vez mais espaços para "comer qualquer coisa" ao almoço durante a semana de trabalho e menos para conviver, para ler e para estudar. Lembro-me, dos meus tempos de estudante, ser raro o café lisboeta onde era permitido estudar. Havia, aliás, uma "trupe" que estudava em cafés (onde eu me incluía) e que se conhecia por frequentar os dois ou três sítios onde essa prática era tolerada.
Em terceiro lugar, daquilo que vou conhecendo dos subúrbios de Lisboa, parece-me que o que terá acontecido foi uma transferência dos cafés de Lisboa para a periferia, acompanhando os próprios movimentos da população residente. A questão é fundamentalmente económica: os cafés são serviços de proximidade, que tendem a acompanhar a procura, ou seja, os locais para onde as pessoas foram viver, e não a manter-se em determinado lugar central, esperando que as pessoas efectuem deslocações longas até eles. Quem está disposto a andar, regularmente, 20 ou 30 minutos de carro para tomar café? O Califa, em Benfica, não foi e é um exemplo desse tipo de deslocalização do centro para a periferia? Ou a Casa dos Cafés da Portela - esse fenómeno genuinamente suburbano, que já foi exportado para tudo o que é centro comercial e até para o Bairro da Graça (curiosamente, também um subúrbio operário de outros tempos)?
Penso, sinceramente, que os cafés foram para onde está a vida, que é nos subúrbios e em algumas zonas mais periféricas do Concelho de Lisboa. Ainda outro dia Eduardo Prado Coelho, na sua crónica habitual no Público, referia esse fenómeno.
Odivelas é um interessante "case study" neste âmbito: cafés acolhedores, genuínos e simpáticos como "La Maison du Café" ou "Café & Companhia", ambos no Chapim, não se encontram com facilidade em Lisboa. Ou os incontornáveis "O Forno da Cidade" (Ribeirada) ou "Viriato" (Jardim da Radial - Ramada), também com serviço de pastelaria. Em particular, neste último é possível adquirir aqueles que são provavelmente os melhores pastéis de nata que se fabricam em Lisboa e arredores, que fazem corar os centenários Pastéis de Belém.
Entendo aqui como café um espaço de lazer, com mesas e cadeiras e, eventualmente, esplanada, onde o utente se sente em casa, onde não sente "pressing" para se ir embora, onde pode ir acompanhado dos amigos, dos jornais e dos livros, onde pode discutir e desenvolver ideias e aprender olhando e sendo visto.
Os cafés estão profundamente enraizados nos hábitos do portugueses e dificilmente desaparecerão por completo. Não disse Almeida Garrett que bastava entrar no café para se conhecer a terra onde se estava?
P.S. 1 - Uma das modas deste Natal são as máquinas de café a 250 euros a peça. Será um prenúncio do fim dos cafés, mesmo nos subúrbios, ou apenas mais uma "nova-riquisse" bem à portuguesa?
P.S. 2 - No Abrupto, Pacheco Pereira ilustra o seu "post" "Sentimentos misturados" com algumas fotografias das cheias da década de 60. Se não é Odivelas, imita muito bem.