28 março 2007

Haja esperança

Noticiava o Público há uns dias que "a Câmara de Odivelas quer que as linhas aéreas de alta tensão que atravessam o concelho passem a ser enterradas por forma a minimizar os riscos para a saúde pública e o impacte visual na paisagem. Para isso vai solicitar ao Ministério da Economia que, em conjunto com a autarquia, elabore um plano nesse sentido. A assembleia de Odivelas aprovou anteontem [07-03-2007], por unanimidade, uma proposta do executivo camarário que recomenda o início de negociações com as entidades competentes - EDP e Rede Eléctrica Nacional - para que o concelho deixe de ser sobrevoado por linhas áreas de alta tensão" (09-03-2007).
O enterramento das linhas de alta tensão, pelo menos na Cidade de Odivelas, é inevitável. Já imaginaram os leitores o que seria um poste em plena Av. de Roma ou Av. da República, em Lisboa? Não é sustentável, a poucos Km da capital de um país que se quer civilizado e europeu, um poste de uma linha de 220 kV plantado na principal avenida (Abreu Lopes) de uma das maiores cidades do país (Odivelas), bem maior que muita capital de distrito. Não é defensável para ninguém com um pingo de vergonha na cara.
As iniciativas políticas acima descritas são, por isso, pertinentes e louváveis. O tabu foi quebrado, mesmo que o processo se venha a arrastar durante vários anos, como é habitual no nosso país. Mas, pelo menos o problema já entrou, e pela porta grande, na agenda política do Concelho. E na altura apropriada, ou seja, antes da projectada privatização da REN (Redes Energéticas Nacionais), o que ainda permite alguma margem de manobra à Administração. Esperemos que não seja tarde demais. Haja esperança, que Odivelas bem merece.

26 março 2007

A cidade radiosa


Como muitos outros lugares da periferia próxima de Lisboa, a Cidade de Odivelas começa a ser urbanizada a partir da década 50 em torno dos antigos caminhos rurais. Talvez influenciado pelos "novos" bairros de matriz algo tradicionalista, sobretudo o Areeiro, estruturado em torno da praça homónima (de Cristino da Silva, 1938), mas também Alvalade (de Faria da Costa, 1945-47), o conjunto urbano estruturado pela Av. D. Dinis, R. dos Bombeiros Voluntários, R. Guilherme Gomes Fernandes e Av. Infante D. Henrique caracteriza-se pelos seus eixos principais rectilíneos articulados por praças, com algum toque de modernidade dado por quarteirões permeáveis, ruas secundárias curvas (acompanhando a topografia) e alguns impasses.
A partir do final da década de 60 e sobretudo após 1974, a pressão demográfica conciliada a "novos ventos" que sopravam no Concelho de Loures, bem patentes na Urbanização de Santo António dos Cavaleiros (de A. Reais Pinto, 1968) e que se caracterizavam pela vontade em se fazer uma cidade de matriz moderna a custos controlados (como nos Olivais ou em Nova Oeiras), conduziram a um corte radical com um passado ainda pouco consolidado. A rua e o quarteirão são substituídos progressivamente pela torre e pela banda, tantas vezes sem a qualidade arquitectónica que a cidade moderna exige. O primado do céu, do verde, do betão e do vidro é prosseguido em terrenos algo acidentados, pouco apropriados a experiências deste tipo, e da forma menos aconselhada para o efeito: o loteamento e a promoção privada.
Odivelas não escapou a estes sinais dos tempos. Entre a Codivel e a Quinta do Mendes, passando pela Quinta Nova e pelo Chapim, sucederam-se múltiplos loteamentos, nem sempre bem articulados entre si, mas com o mérito de terem procurado construir uma cidade mais arejada, menos enterrada no fundo do vale e na "rua corredor". Naturalmente, toda esta vasta área apresenta uma qualidade algo irregular e está longe de constituir um todo perfeitamente homogéneo, dado que reflecte também a própria evolução da forma de pensar a cidade moderna, que evoluiu bastante em trinta anos. Aliás, a crise do urbanismo moderno e dos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna) ainda não foi completamente resolvida, de acordo com alguns autores [cf., por exemplo, Nuno Portas in Salgado, Manuel e Nuno Lourenço (coordenadores), Atlas Urbanístico de Lisboa, Argumentum, 2006]. Mas é isso que torna essa área particularmente interessante: por encerrar um projecto, porventura utópico, evolutivo, mal resolvido mas infinitamente interessante. Muito mais, aliás, que as neo-barrocas Colinas do Cruzeiro.
Não é fácil perceber e gostar da cidade moderna, em particular da "Cidade Radiosa" de Odivelas. Mas, se o leitor me quiser acompanhar nas próximas semanas, participando como tem vindo a fazer (felizmente) tantas vezes, talvez se consiga evitar que esta parte da cidade se torne esquecida, talvez para sempre, a meio caminho entre o Centro Histórico e os bairros da moda, candidata a "terra de ninguém".

19 março 2007

Um belo panorama

Quando, em 1295, D. Dinis fundou o Mosteiro de Odivelas, o panorama era excelente. Há cinquenta anos, talvez não fosse muito diferente da descrição apresentada por Manuel Bernardes Branco (op. cit., pp. 23-24):
“Ergue-se o apparatoso e vistoso convento d’Odivellas n’um logar d’onde actualmente [1886] se avistam alguns edifícios e templos, e que seria no reinado d’el-rei D. Diniz um vasto deserto, mas não charneca, a ponto de por ali apparecerem ursos no tempo d’este monarcha.
Ao norte viam as lindas freirinhas d’Odivellas Caneças, logar de Montemor, da Beja, e algumas terras de Carnide.
Ao nordeste enxergavam Friellas, Povoa de Santo Adrião, e uma parte de Loures e d’Unhos.
Se, porém, quizessem espairecer a vista a sul, desfructavam Porcalhota, parte de Bemfica, convento das freiras de Carnide, parte de Bellas e o alto de Queluz.
A este podiam contemplar o Lumiar, Ameixoeira, Paço do Lumiar, e parte da Charneca”.
Esta curiosa descrição sugere que o urso terá aparecido a D. Dinis, não na Cidade de Beja (Alentejo) como é habitualmente aceite (cf., por exemplo, Manuela Maria Justino Tomé, op. cit., p. 13), mas no lugar de Beja (actual A-da-Beja, no Concelho da Amadora). Cita também a famosa Porcalhota, eternizada pelo actor Ribeirinho n’O Pai Tirano, ou Amadora, na toponímia actual. Que lindo seria: o Concelho da Porcalhota!

12 março 2007

Puro mau gosto

As floreiras colocadas no novo Centro de Exposições são de um mau gosto indescritível. Se a arte for de igual calibre, mais vale não inaugurar a obra.

09 março 2007

Campus revisitado

Quando há quase 20 anos entrei em Economia na Nova, o antigo colégio jesuíta ainda dominava por completo a paisagem e o actual Campus de Campolide não passava de um perigoso ermo com vestígios de antigas trincheiras.
Entretanto, com o passar dos anos, foram surgindo vários edifícios: a Residência Universitária Alfredo de Sousa, a Faculdade de Direito, a Reitoria da UNL e também dois edifícios de promoção privada (ocupados por instituições bancárias) bem perto do Campus.
Apesar do processo de urbanização não estar ainda concluído, é já claro que o alto de Campolide está bem mais bonito do que era há 20 anos. Gosto particularmente da forma como esses novos edifícios parecem dialogar entre si tendo como "tema de conversa" os códigos da arquitectura moderna.
Em particular, parece existir alguma cumplicidade entre os mesmos em torno dos Cincos Pontos de Le Corbusier para uma nova arquitectura. De facto, ora temos janelas em banda, ora temos pilotis que permitem não tapar completamente a magnífica vista para o Monsanto, ora temos fachadas livres, ora temos coberturas que poderiam ser jardins. Por vezes, encontra-se também brise soleil, uma invenção do grande Charles-Edouard Jeanneret tendo em vista lidar com os problemas térmicos originados pela exposição das grandes janelas ao Sol.
Gosto particularmente da Reitoria, da autoria dos irmãos Aires Mateus, Prémio Valmor de 2002. Lembro-me da grande polémica que gerou entre professores e alunos ainda durante a fase de projecto, com abaixo-assinados pelo meio. Evocará a sua maquinaria (elevadores e AVAC), por detrás de grandes panos de vidro, o imaginário corbusiano da "máquina de habitar"?

07 março 2007

Manual de Sobrevivência


Odivelas, terra de excessos, de luxúria e deboche, sobretudo durante a primeira metade de setecentos, convida a ouvir música barroca. Hoje, proponho aos leitores George Friedrich Handel, um dos mais importantes compositores do barroco, em edição económica (Trio - 3 CDs) da Deutsche Grammophon. Em magnífica interpretação da Orpheus Chamber Orchestra, somos brindados, nos dois primeiros CDs e no início do terceiro, com os 12 "Concerti Grossi" op. 6 do tão inspirado compositor alemão. Mas não é só! Como brinde, o terceiro CD inclui ainda a "Wassermusik", que Handel compôs para as festas à beira rio dos monarcas ingleses e que é óptima para celebrar a chegada da Primavera, e ainda a "Feuerwerkmusik", ou seja, a Música para os Fogos de Artifício Reais, tão apropriada para a época de inaugurações que se avizinha em Odivelas (Alameda do Porto Pinheiro e Centro de Exposições).

05 março 2007

Afinal havia outra

Nos últimos dois anos, as estatísticas do desemprego registado nos centros de emprego do IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional (disponíveis em www.iefp.pt) parecem evidenciar uma acentuada descida do desemprego em Portugal. Em particular, o total de desempregados inscritos passou de 479.373 no final de Dezembro de 2005 para 452.651 no final de Dezembro de 2006, ou seja, diminuiu 5,6% no último ano.
Porém, os dados do Inquérito ao Emprego do INE - Instituto Nacional de Estatística recentemente divulgados, relativos aos 4.º Trimestre de 2006 (disponíveis em www.ine.pt), contradizem esta evolução favorável: de cerca de 447 mil desempregados no último trimestre de 2005 passou-se para cerca de 459 mil em igual trimestre de 2006, ou seja, o desemprego aumentou em Portugal 2,5% no último ano. Esta evolução desfavorável da população desempregada reflectiu-se na taxa de desemprego, que passou de 8% para 8,2% entre os dois trimestres em análise. Em termos médios, a taxa de desemprego em 2006 foi de 7,7%, superior em uma décima à registada em 2006 (7,6%).
Adicionalmente, em Janeiro de 2007 (últimos dados disponíveis), os desempregados inscritos nos centros de emprego do IEFP eram 457.634, ou seja, mais 1,1% do que o verificado em Dezembro último.
Como diria a Mónica Sintra, "afinal havia (e há) outra" ... realidade, a pura e dura da economia portuguesa, da asfixia das empresas (o IVA a 21% não ajuda nada), dos trabalhadores (com os bolsos cada vez mais vazios) e daqueles que pretendem trabalhar mas não encontram nada para fazer. E também daqueles que estão sub-aproveitados - como uma interessante reportagem do DN, sobre licenciados a executar tarefas para os quais não foram habilitados nem qualificados e ganhar, por vezes, o salário mínimo, evidenciava há umas semanas.
Numa investigação sobre desemprego em meio urbano que estou presentemente a coordenar (financiada pelo POEFDS) parece já claro, na actual fase intermédia dos trabalhos, que o problema do desemprego no Portugal contemporâneo já não tem só haver com o Alentejo e a Península de Setúbal, como muita boa gente ainda pensa. Está em afirmação, nomeadamente nas periferias de Lisboa e Porto, uma nova classe de desempregados, por vezes com elevados níveis de habilitação, que oscila permanentemente entre os estados de emprego e desemprego ou que, pura e simplesmente, é posta de parte pelo mercado de trabalho, mesmo em plena idade activa.
Um dos resultados mais preocupantes já apurados por essa investigação remete para o cavamento das assimetrias entre concelhos da Área Metropolitana de Lisboa (AML) em termos de incidência do desemprego por concelho (medida através do rácio entre o desemprego registado pelo IEFP e a população activa) que se tem observado nos últimos anos (2001-2005). Ou seja, é sobretudo nos concelhos onde já havia mais desemprego que o fenómeno se tem vindo a acentuar recentemente, enquanto que nos concelhos tradicionalmente com menos desemprego este último não tem aumentado de forma tão significativa. Dito de outra forma: a crise tem atacado, em matéria de desemprego, sobretudo os concelhos mais debilitados económica e socialmente.
Odivelas, apesar de tudo, continua a apresentar uma situação favorável no contexto metropolitano em termos de incidência do desemprego: em 2005, os desempregados residentes em Odivelas inscritos em centros de emprego do IEFP correspondiam a 6,1% da respectiva população activa (empregados + desempregados). Essa percentagem era a segunda mais baixa da AML: só Mafra tinha uma taxa inferior (5,4%). Talvez a importância do auto-emprego e dos pequenos empresários explique esta boa performance do Concelho.
Os últimos dados conhecidos (Janeiro de 2007) apontam para 4.337 residentes em Odivelas registados nos centros de emprego como desempregados, mais 80 do que os registados em Dezembro de 2006. Esse valor corresponde a 5,3% dos cerca de 82 mil activos que se pensa residirem em Odivelas (de acordo com o estimado pelo CIDEC tendo como fonte as estimativas intercensitárias da população residente do INE e a taxa de actividade observada nos Censos de 2001). A maior parte dos desempregados odivelenses são homens (51%), com 35 e mais anos (66%) e procuram um novo emprego (96% dos casos). O desemprego de longa duração (um ano ou mais) abarca 39% dos inscritos. Os licenciados têm alguma importância entre os desempregados do Concelho (9%) apesar de serem preponderantes as pessoas com o 1.ª Ciclo do Ensino Básico (antiga 4.ª Classe) ou com habilitação inferior (35% dos casos).