08 janeiro 2006

A decadência que vem de longe

Odivelas é como Portugal: parece presdestinada à decadência. O problema é antigo e incontornável. A urbe de Odivelas desenvolveu-se, como é do conhecimento geral, em torno do Mosteiro Cisterciense de S. Dinis, fundado em 1295 pelo Rei D. Dinis, apesar do povoado ser mais antigo. Ora, esse mosteiro foi um dos locais preferidos dos freiráticos, nomeadamente de D. Afonso VI (que reinou de 1656 a 1683) e do seu sobrinho D. João V (1706-1750). Odivelas está intimamente ligada a práticas de lúxuria e de degradação dos costumes. E não apenas desde o séc. XVII.
Porque razão ter-se-à lembrado D. Dinis de fundar um mosteiro da ordem de S. Bernardo num lugar (na altura) belo e recôndito a “dois passos” de Lisboa?
Na versão oficial, o Mosteiro foi fundado como sinal de gratidão desse monarca por ter sido salvo pelo milagreiro S. Luís, bispo de Tolosa, do ataque de um urso durante uma montaria em Beja. A versão não oficial é bem diferente, como nos conta Manuel Bernardes Branco no seu livro As Minhas Queridas Freirinhas d’Odivellas (Typographia Castro Irmão, 1886) ao bom estilo de Oitecentos:
“D. Diniz, apesar de se entreter de vez em quando na guerra, ou em fazer versos, era, no tocante a mulheres, um conquistador d’alto lá com elle! Ver e amar – era obra d’um abrir e fechar d’olhos. Em summa, era um maganão de primeira força.” (p. 25)
“(...) Mas lá para que elle mandou fazer o mosteirinho d’Odivellas, isso sei. Foi para lá ter uma amante. Que a respeito do urso, não passa tudo d’uma endromina.” (p. 42)
“(...) O intento, continúa o chronista [de Cister, Fr. Francisco Brandão] que teve o rei [D. Dinis] para recolher n’elle religiosas de nossa ordem, foi, ao que parece, porque tinha duas filhas bastardas, que desejava accomodar de religião... Ah grande maganão! Só duas!... Quantas d’aquellas oitenta freiras que no teu reinado (segundo diz Pedro de Mariz) chegou a haver em Odivellas, seriam tuas filhas? E a mãe ou mães não iam para lá tambem?” (p. 45)
“(...) Sim, amigo leitor, ou um D. Diniz, ou um D. João V bastava, cada um per si, para repovoar o mundo, no caso de ser este mergulhado n’um diluvio! Mas o caso é que o senhor D. Diniz gozava sem limites, mas não queria que as filhas gozassem, e por isso tratava de as catrafilar em dentro d’Odivellas. E a graça que as cachopas achavam ao rei D. Diniz, quando elle lhes cantava na linguagam d’aquelle tempo:
Qanten fremosa mha senhora
De vos receei aveer
Muy ter que non ei poder
Demagura guardar que non
Veia mais tal confortei
Que aquel dia monerei
E perdeirei coitas d’amor...!” (p. 48)
Em suma, o que nasce torto...

5 Comments:

At 10:06 da tarde, Blogger Maria Máxima Vaz said...

Manuel Bernardes Branco não tinha os rigores de um historiador.Afirmava o que lhe parecia lógico, de acordo com a sua forma de pensar e a mentalidade do tempo, com muitos preconceitos....
D. Dinis não pode ser reduzido a essa dimensão! Foi um excelente governante. E quanto a pecados, não temos dados suficientes para o julgar.... sabiam que a rainha revelava, pelo seu ideal de perfeição, ter sido educada nos valores cátaros? Vão ver o que isso significa...e concluirão que o rei não será tão "pecador"como se tem feito crer. E depois, o conceito tem muito que se lhe diga....o espírito inquisitorial é um pecado maior, acho eu.
E quanto às freiras, quem somos nós
para julgar pessoas metidas entre quatro paredes, na flor da idade, sem nunhum direito? Bem basta a injutiça de que foram vítimas. Continuar a acusá-las, é uma crueldade.
Sabem que o instinto mais poderoso, é a continuação da espécie? Nunca leram Darwin?

 
At 2:07 da manhã, Blogger Maria Máxima Vaz said...

Manuel Bernardes Branco era realmente muito ignorante!!! Falar de um grande Rei como foi D. Dinis, dizendo que "se entretinha de vez em quando nas guerras ou em fazer versos....e que construiu o mosteiro para nele meter as filhas e as amantes", é não ter uma vaga ideia da administração deste Rei. Rebater estes disparates é fácil, mas ocuparia muito espaço.Gostaria muito de o fazer em debate público.

 
At 12:46 da tarde, Blogger Maria Máxima Vaz said...

Quem contou a história do urso foi o próprio Rei. Na altura só tinha uma filha natural (que depois até casou)e é natural que a quisesse proteger. A mãe dela, D. Marinha Gomez, não precisava, era nobre e rica,tinha casa em Valverde (actualmente Av.ª da Liberdade).Parece que esta filha já existia antes do casamento do Rei. A outra filha só nasceu depois de 1300, para esta não foi construído o mosteiro, mas foi esta que aqui foi freira e ali tem um belíssima túmulo.

 
At 12:57 da tarde, Blogger Maria Máxima Vaz said...

Como interpretar a história do urso? A meu ver, havia 3 inconvenientes, se o Rei dissesse abertamente que ali queria "agasalhar" as filhas que tinha ou viesse a ter.
1-A Corte não aprovaria;
2-A Igreja condenaria;
3-A Ordem de Cister teria dificuldade em justificar, se aceitasse o mosteiro, como aceitou.
Ora, como excelente diplomata, de que já tinha dado provas, só podia "contar" um milagre. Não comprometeu ninguém e todos aplaudiram. Acham mal? Faziam melhor? Eu não, e aplaudo o Rei com ambas as mãos.
Saudações, Maria Máxima

 
At 1:58 da tarde, Blogger Maria Máxima Vaz said...

Eu julgava que todos os odivelenses já sabiam a história do urso, mas de vez em quando, por opiniões emitidas, verifico, com surpresa, que ainda há confusões.
Os cronistas localizam o "acontecimento" numa povoação chamada Belmonte, da freguesia de S. Pedro de Pomares, distrito de Beja, onde a comitiva real se tinha deslocado para uma caçada. Não foi em Odivelas.

 

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