Muito interessante
Muito interessante – a reportagem “Subúrbios: Aqui tão longe”, com texto de Ricardo J. Rodrigues e fotografia de Jordi Burch, publicada na edição de ontem da revista Notícias Magazine (#712, 15-01-2006). Permite induzir meia dúzia de ideias-chave para se compreender a Área Metropolitana de Lisboa no início do Século XXI, e naturalmente Odivelas:
1. Como provavelmente só quem nasceu, cresceu, estudou (ou estuda), trabalha e vive em Lisboa ainda não percebeu, a vida não termina na Estrada de Circunvalação: começa a partir daí!
2. À medida que as relações entre os diferentes espaços metropolitanos se complexificam, com os empregos e os equipamentos comerciais, culturais e de lazer a extenderem-se à periferia (indo ao encontro da procura e de espaço a custo mais favorável, e aproveitando as novas acessibilidades rodoviárias), faz cada vez menos sentido falar de um centro metropolitano (a Cidade de Lisboa) e de uma periferia (os seus “subúrbios”).
3. Aquilo que está neste momento a cristalizar-se a velocidade vertiginosa, nomeadamente na Margem Norte (Grande Lisboa), é um continuo urbano a tender para uma certa uniformidade em termos sociais, económicos e culturais. Com a universalização dos equipamentos, e com a crescente escassez de espaço urbanizável na Cidade de Lisboa (e na primeira coroa de suburbanização – um tema a merecer vários “posts”), as classes sociais tendem a distribuir-se de forma mais uniforme pelo espaço, tal como os problemas sociais. A dualidade centro-periferia faz hoje cada vez menos sentido entre “Lisboa e o resto”, sendo cada vez mais transposta para uma escala mais pequena (da Cidade, do Concelho), apesar de Lisboa ser ainda o lugar por excelência dos grandes eventos, dos equipamentos e espaços de lazer mais singulares, das habitações mais exclusivas.
4. Esta tendência para a uniformização não se manifesta, contudo, de forma perfeita no território. Continuam a existir espaços da periferia mais bem dotados de equipamentos do que outros. Os erros e as experiências urbanísticas não se evaporam. O acesso a espaço público urbano de qualidade é uma miragem para muitos habitantes – mesmo na Cidade de Lisboa: veja-se, por exemplo, as recentes operações de realojamento realizadas na Freguesia da Ameixoeira, ou a incapacidade em garantir alguma urbanidade a Chelas. O potencial dos sítios também não é o mesmo à partida. Contudo, aquilo que importa reter é que as desigualdades são cada vez mais evidentes a uma escala mais micro (entre bairros, entre urbanizações ou mesmo entre prédios de um mesmo bairro), à medida que os próprios “subúrbios” começam a ter história e que o espaço livre é cada vez mais escasso – sendo este fenómeno particularmente visível em concelhos como a Amadora, Sintra ou Odivelas, pertencentes à primeira cintura de suburbanização.
5. Essa tendência longa manifesta-se de forma ainda mais imperfeita na cabeça das pessoas. Infelizmente, os estereótipos evoluem mais devagar que a morfologia do território, o que acentua os fenómenos de exclusão social associados ao território onde se reside. Disso o citado artigo é ilustração sintomática: temos a betinha de Oeiras, o criminoso inveterado da Trafaria, o ex-presidiário e amante de “tuning” do Cacém, o camponês peri-urbano de Alcochete. A questão de fundo é que em todos esses territórios metropolitanos existem jovens com essas características. Uma cidade cosmopolita é mesmo isso. Talvez por isso os jovens se fechem cada vez mais no bairro, na urbanização ou na casa onde vivem: “Cenoura, Flávio, Marta e Mauro são como todos os outros, cada vez mais empurrados para dentro dos vãos de escada, da porta de um prédio, de um quarto bonito ou de uma fazenda no meio do betão. Cada vez mais empurrados para dentro de si e do seu bando. Há uma tremenda ironia em tudo isto, porque o mundo é hoje mais acessível, mais informado e mais próximo do que alguma vez foi. É dura a vida na suburbe lisboeta. Cavernas de Platão, como em Paris”.
6. Bem mais interessante teria sido entrevistar uma betinha do Cacém ou um amante de “tuning” de Oeiras. Mas isso seria pedir demais de uma revista, com alguma qualidade é certo, mas tão “soft & clean” como é a Notícias Magazine.
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