26 março 2007

A cidade radiosa


Como muitos outros lugares da periferia próxima de Lisboa, a Cidade de Odivelas começa a ser urbanizada a partir da década 50 em torno dos antigos caminhos rurais. Talvez influenciado pelos "novos" bairros de matriz algo tradicionalista, sobretudo o Areeiro, estruturado em torno da praça homónima (de Cristino da Silva, 1938), mas também Alvalade (de Faria da Costa, 1945-47), o conjunto urbano estruturado pela Av. D. Dinis, R. dos Bombeiros Voluntários, R. Guilherme Gomes Fernandes e Av. Infante D. Henrique caracteriza-se pelos seus eixos principais rectilíneos articulados por praças, com algum toque de modernidade dado por quarteirões permeáveis, ruas secundárias curvas (acompanhando a topografia) e alguns impasses.
A partir do final da década de 60 e sobretudo após 1974, a pressão demográfica conciliada a "novos ventos" que sopravam no Concelho de Loures, bem patentes na Urbanização de Santo António dos Cavaleiros (de A. Reais Pinto, 1968) e que se caracterizavam pela vontade em se fazer uma cidade de matriz moderna a custos controlados (como nos Olivais ou em Nova Oeiras), conduziram a um corte radical com um passado ainda pouco consolidado. A rua e o quarteirão são substituídos progressivamente pela torre e pela banda, tantas vezes sem a qualidade arquitectónica que a cidade moderna exige. O primado do céu, do verde, do betão e do vidro é prosseguido em terrenos algo acidentados, pouco apropriados a experiências deste tipo, e da forma menos aconselhada para o efeito: o loteamento e a promoção privada.
Odivelas não escapou a estes sinais dos tempos. Entre a Codivel e a Quinta do Mendes, passando pela Quinta Nova e pelo Chapim, sucederam-se múltiplos loteamentos, nem sempre bem articulados entre si, mas com o mérito de terem procurado construir uma cidade mais arejada, menos enterrada no fundo do vale e na "rua corredor". Naturalmente, toda esta vasta área apresenta uma qualidade algo irregular e está longe de constituir um todo perfeitamente homogéneo, dado que reflecte também a própria evolução da forma de pensar a cidade moderna, que evoluiu bastante em trinta anos. Aliás, a crise do urbanismo moderno e dos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna) ainda não foi completamente resolvida, de acordo com alguns autores [cf., por exemplo, Nuno Portas in Salgado, Manuel e Nuno Lourenço (coordenadores), Atlas Urbanístico de Lisboa, Argumentum, 2006]. Mas é isso que torna essa área particularmente interessante: por encerrar um projecto, porventura utópico, evolutivo, mal resolvido mas infinitamente interessante. Muito mais, aliás, que as neo-barrocas Colinas do Cruzeiro.
Não é fácil perceber e gostar da cidade moderna, em particular da "Cidade Radiosa" de Odivelas. Mas, se o leitor me quiser acompanhar nas próximas semanas, participando como tem vindo a fazer (felizmente) tantas vezes, talvez se consiga evitar que esta parte da cidade se torne esquecida, talvez para sempre, a meio caminho entre o Centro Histórico e os bairros da moda, candidata a "terra de ninguém".