26 dezembro 2007

A Cidade Radiosa e a vida monástica



Nesta quadra festiva, apetece explorar um tema muito interessante mas pouco (ou nada) abordado pelos entendidos em questões urbanas deste nosso "querido" Portugal: a relação estreita que existe entre o desenvolvimento conceptual da Cidade Moderna e a vida monástica. O tema é de grande interesse para Odivelas dado que evidencia o grande simbolismo associado ao desenvolvimento de formas urbanas modernas num burgo com um mosteiro (S. Dinis) fundado há mais de 700 anos, no longínquo ano de 1295.
O principal teórico do Urbanismo Moderno - Le Corbusier (1887-1965) - empreendeu várias viagens na sua juventude que foram determinantes na sua formação como arquitecto, urbanista e humanista. Em particular, Le Corbusier, que era originário do Alto Jura (Suíça), realiza uma viagem a Itália em 1907 onde visita o mosteiro cartuxo de Galluzzo, no Vale de Ema (arredores de Florença). Fica impressionado com a conciliação perfeita entre a vida privada e a vida comunitária que a organização do espaço propicia, bem como com as células dos monjes com dois pisos e jardim individual.
Esta viagem será determinante na primeira proposta que fará de cidade-jardim vertical, em 1922: os apartamentos duplex com jardim próprio privativo, designados por "immeuble-villas" (literalmente, "apartamentos-moradia"), agrupados em blocos com serviços comuns aos condóminos e replicados ao longo de "Uma Cidade Contemporânea para 3 Milhões de Habitantes".
Mais tarde, levará este pensamento ao limite nas grandes unidades de habitação (a primeira, de Marselha, data de 1946-52) - uma espécie de grande transaltântico para 1800 habitantes, com apartamentos duplex propiciando a máxima privacidade e conforto (nenhum vizinho avista outro vizinho do seu apartamento; isolamento acústico; mobiliário de design prático e barato; etc.), pensados para admirar o céu e as árvores mas acedidos através de corredores que se pretendiam ruas e que também conduziam a serviços comunitários como creches, piscinas, comércio, lavandaria, entre outros. Ou não fosse o dilema entre público e privado a grande questão urbana, tão esquecida nos nossos dias.
A dimensão monástica da obra corbusiana está também presente nos passeios arquitectónicos ("promenades architecturale") que estruturam muitas das suas obras. O mais conhecido desses passeios é, porventura, o que conduz e integra a Villa Savoye: a "peregrinação" iniciava-se em Paris e tinha como primeiro destino Poissy; já na propriedade, era necessário "trespassar" os pilotis com o carro, fazendo uma curva sob a moradia e estacionando o carro na garagem; por último, já a pé, importava subir um conjunto escultórico de rampas que conduziam a um terraço-jardim também escultórico, com o objectivo último de admirar o céu e as árvores.
Iniciática era também a "promenade" que conduzia ao duplex onde Le Corbusier residiu entre 1934 até à sua morte. Situava-se também nos arredores de Paris, mais precisamente na fronteira entre este município e Bolonha. Vencida a antecâmara, era preciso evitar o elevador principal, passar uma porta que dava acesso à área de serviço, subir o monta-cargas até ao penúltimo andar, subir ao último andar por uma escada em caracol e escolher uma das 3 portas que dava acesso ao seu apartamento-estúdio. Já lá dentro, ainda se podia (e devia!) subir mais uma escada de caracol para aceder novamente a um terraço-jardim, local simbólico onde a arquitectura - e o homem - encontra o céu através da mediação do mundo vegetal.

* * *

E assim me calo, pelo menos durante uns tempos. Após dois anos, com mais de 100 "posts", mais de 16 mil visitantes, muitas críticas mas alguns elogios reconfortantes (sinceros agradecimentos a todos), este espaço vai entrar em período sabático de reflexão. Talvez para sempre...

Um óptimo 2008 para todos!

Pedro Afonso

1 Comments:

At 1:56 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Esperemos que essa "licença sabática" não seja para sempre...até porque esses períodos de reflexão e produção académica precisam sempre de experiências e testes no "terreno" para validar as respectivas conclusões "científicas"...!
Ademais, este território só tem a ganhar(como tem sucedido, mesmo que não se tenha dado conta do seu impacto...) com a exteriorização dessas análises - por muito teóricas que às vezes sejam - que ajudam e fazem reflectir os decisores políticos sobre as estratégias e opções a tomar na sua missão de serviço público.
Um abraço e até...já!
Carlos Pinto

 

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