20 dezembro 2006

A cidade comercial

Pertenço a uma geração que cresceu fascinada com os primeiros centros comerciais que se construíram em Lisboa, com o “Apolo 70” e com o vizinho “Arco-Íris”, com o “Centro Comercial de Alvalade” ou com o “Imaviz”. Eram (e são) espaços, em geral, interessantes na medida em que complementam e prolongam a rua, favorecendo a urbanidade. De alguma forma, “destroem” o quarteirão, garantindo alguma permeabilidade ao respectivo interior – algo que os urbanistas modernos tanto apreciam.
O resto da história é mais ou menos conhecida de todos. Primeiro vieram as Amoreiras, depois o Cascais Shopping e o Colombo, e assim por diante. Hoje, imperam os grandes centros comerciais, verdadeiras (?) cidades dentro da cidade, ou melhor, da metrópole, dado que, nos últimos anos, esses grandes espaços comerciais têm-se desenvolvido fundamentalmente nos subúrbios. Só no eixo Odivelas-Loures contam-se três, e vem já um quarto a caminho, sensivelmente na fronteira entre os concelhos da Amadora e de Odivelas.
Muito se tem falado sobre os efeitos nefastos dos mega-centros comerciais no comércio tradicional ou no congestionamento do tráfego automóvel, dado localizarem-se, tipicamente, junto aos principais eixos viários (com o problema a acentuar-se com o aproximar do Natal). Contudo, pouco se fala sobre os efeitos, igualmente nefastos, desses espaços na vida citadina. Organizados como uma pequena cidade, com ruas e praças, os grandes centros comerciais têm vindo a substituir a cidade tradicional como espaço de passeio e de encontro. Se na cidade anglo-saxónica tal não é, porventura, muito dramático, na cidade de tradição mediterrânica é-o seguramente, dado que aqui o espaço público, nomeadamente a rua e a praça, têm uma importância histórica na forma como as pessoas se relacionam e convivem.
Descobri, por acaso, um interessante artigo em que este problema é tratado “sem papas na língua”, do Arq.º Miguel Silva Graça. Chama-se “Espaços públicos e uso colectivo de espaços privados” (disponível em ecultura.sapo.pt) e é uma óptima leitura para esta quadra natalícia, para quem gosta de “ver” o outro lado das coisas. Eis um pequeno extracto, que não dispensa a leitura do artigo na íntegra:

“Liberta dos seus centros e limites, por um novo modelo de cidadania consumidora, a vivência da cidade já não se constrói através de vínculos com os espaços urbanos centrais ou representativos. Substituindo-se a estes, surgem novos espaços privados que se multiplicam nos seus centros e zonas suburbanas.
“Contrastando com uma envolvente fragmentada e descontínua – que acaba abruptamente em vazios, becos sem saída ou em nós viários – os centros comerciais, os parques temáticos, os estádios de futebol ou outras formas híbridas de oferta de consumo e lazer, oferecem espaços arquitectónicos cuidadosamente harmonizados, artificialmente ordenados e permanentemente vigiados. Quase sempre associados a galerias comerciais, áreas de restauração, parques de diversão ou mesmo a zonas de convívio e de descanso, encontramos enquanto denominador comum destes espaços a busca da evasão e da diversão através da via redentora do consumo.
“De entre os vários exemplos, é talvez o centro comercial o que melhor ilustra este modelo, pelas altas taxas de intensidade de uso que evidencia. Pelo carácter mimético que procura formalmente atingir, o centro comercial pode facilmente substituir as vivências urbanas por uma experiência que apesar de possuir um carácter “ageográfico”, satisfaz, através de uma “simulação controlada”, as necessidades de sociabilidade e de “obsessão pela segurança” que os seus utilizadores não conseguem satisfazer plenamente noutros espaços públicos tradicionais.”

De qualquer forma, penso que nem tudo está perdido. Veja-se esse “oásis” lisboeta chamado Picoas Plaza que, pelo menos a mim, fez-me voltar a gostar de uma zona da cidade que parecia perdida para sempre. A óptima livraria também ajuda!
Boas compras de última hora!