A bomba
Num editorial com o título sugestivo "A eleição enfadonha e o que tem ficado por discutir", José Manuel Fernandes lançou hoje, no Público, uma verdadeira BOMBA relógio. Eis a parte que nos interessa:
"Entre os temas que se deveriam estar a discutir [na campanha para as eleições autáquicas de Lisboa] encontra-se o da organização territorial da grande metrópole de que Lisboa é o centro. Por isso (...) talvez valesse a pena pensar a cidade e na sua área metropolitana tendo como referência duas outras cidades-capital, Paris e Madrid. Ambas são muito maiores, mas em ambas a sua dimensão permite uma gestão mais racional e um governo da cidade com poderes alargados. De Madrid, Lisboa deveria estudar o exemplo do alargamento da área do muncípio original por inclusão de concelhos limítrofes ou de parte deles. (...) Já em Paris poderia analisar o modelo de organização territorial, fazendo desaparecer a actual - e aberrante - divisão em mais de meia centena de freguesias, substituída por uma estrutura de bairros equivalentes aos arrondissements parisienses, cada um deles com a sua câmara-mairie".
Há muito tempo que não se via alguém "colocar o dedo na ferida" da Grande Lisboa de forma tão directa e pedagógica. Nos últimos tempos tem vindo a consolidar-se na opinião pública - muito por culpa da instabilidade financeira e política quer do Concelho de Lisboa quer de alguns concelhos limítrofes, nomeadamente Odivelas - a ideia de que há algo errado nos limites administrativos das autarquias da Grande Lisboa.
Os actuais limites da Cidade de Lisboa remontam ao longínquo ano de 1886, quando foram abolidos os concelhos de Belém e dos Olivais. Até essa data Lisboa terminava sensivelmente num arco formado pela ruas Maria Pia e Marquês da Fronteira - Av. Duque de Ávila - Largo do Leão - Rua Morais Soares - Av. Afonso III. É curioso que, ainda hoje, quem mora em Benfica, em Carnide, em Telheiras, no Lumiar ou nos Olivais raramente diz, espontaneamente, que vive em Lisboa - naquilo que é, talvez, uma herança de um passado em que esses lugares não pertenciam a Lisboa.
Ora, nos últimos 30 anos a Cidade de Lisboa não pára de perder população e, simultaneamente, os custos da respectiva "manutenção" não param de aumentar. Em contrapartida, vive cada vez mais gente, nomeadamente, na primeira coroa de suburbanização, sem que os limites administrativos de Lisboa se tenham alterado. Para se ter uma pequena ideia dos números envolvidos, só nos concelhos da Amadora e de Odivelas vivem mais de 320 mil almas, quando em Lisboa residem 565 mil (de acordo com as estimativas do INE para 2005).
O debate que José Manuel Fernandes lançou é simples e intuitivo: dadas as crescentes dificuldades, nomeadamente, financeiras em gerir as autarquias da Grande Lisboa, não faria sentido estudar um eventual alargamento da Cidade de Lisboa, diria eu, até aos limites impostos pela CREL entre o Alto da Boa Viagem e Loures e, partir daí, pelo Rio Trancão (dado que a CREL, um pouco depois de Loures, inflecte de forma acentuada para Norte)?
Tal solução levaria à absorção por Lisboa dos concelhos da Amadora e de Odivelas bem como das freguesias de Oeiras e Loures encostadas a Lisboa. Naturalmente, uma solução desse tipo teria que passar também pela criação de uma espécie de arrondissements como sugere José Manuel Fernandes, que garantisse alguma liberdade de actuação, nomeadamente, aos dois concelhos que seriam extintos.
Eis aqui um tema, seguramente muito polémico, mas infinitamente interessante, cuja opinião dos leitores deste espaço muito se apreciaria.
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