Estranhos fenómenos eléctricos
Na sequência do grande apagão despoletado pelo corte de uma linha de alta tensão na Alemanha e que atingiu, nomeadamente, Odivelas, a Comissão Europeia anda a cerrar fileiras contra o sector energético. Em particular, várias eléctricas europeias estão a ser alvo de investigação por supostas práticas de cartel e pelos maus serviços prestados às populações e às empresas.
Por cá também têm ocorrido "fenómenos" muito estranhos nesse sector. Já se conheciam os lucros faraónicos da REN (110,7 milhões de euros, em 2005) que, para quem não sabe, trata-se da empresa responsável pelo transporte de electricidade e, desde 26 de Setembro de 2006, também do transporte, armazenamento e regaseificação do gás natural. Também já se sabia que esses lucros ocorreram em paralelo com um défice tarifário de muitos milhões que todos nós vamos ter que pagar nos próximos anos. E também já se sabia que os autarcas, nomeadamente, de Odivelas, de Loures, de Vila Franca e de Sintra não se preocupam mesmo nada com o facto de os seus concelhos serem atravessados por linhas de muito alta tensão tendo em vista abastecer de energia a zona favorecida e privilegiada da Grande Lisboa - leia-se, os concelhos de Lisboa, Oeiras e Cascais - como se o resto fosse simplesmente paisagem.
Aquilo que não se sabia, e se ficou a saber na semana passada (com ampla divulgação na imprensa), é que o presidente da REN conseguiu do Ministro das Finanças a isenção do imposto de transmissões e do imposto de selo no âmbito da operação de transmissão dos activos de transporte, armazenamento e regaseificação do gás natural, facto que muito se estranha em época de contenção orçamental (os valores envolvidos não foram divulgados ao abrigo do sigilo fiscal). E também que o dito presidente está a contar com os bons ofícios do novo presidente do regulador (ERSE) para obter um tarifário mais favorável para a REN ao nível do transporte do gás. Em Economia, isto chama-se abuso de posição dominante. Começamos, finalmente, a perceber por que razão o Eng. Jorge Vasconcelos (ex-presidente da ERSE) deu um murro na mesa.
É importante notar que o transporte de electricidade e de gás são dois casos clássicos de monopólio natural, ou seja, de actividades económicas que são prestadas de forma mais eficiente por uma única empresa em vez de várias. Por isso são tradicionalmente assumidas pelo Estado, de modo a evitar abusos de posição dominante e a garantir lucros próximos de zero. Tal não implica que esse tipo de actividades não possam ser assumidas por privados desde que seja assegurada uma forte regulação pública, independente e avessa a pressões.
O governo prepara-se para privatizar uma parte significativa da REN (fala-se em 19%) e está a capitalizar a empresa, como convém em tempos de aperto e de controlo do défice. Contudo, não pode deixar de assumir o seu papel de regulador de um sector fulcral para a competitividade das empresas e para o bem estar das populações. E tem que estar mais atento à forma como a REN transporta a energia eléctrica em meio urbano, utilizando soluções de recurso e evitando investimentos verdadeiramente estruturantes - nomeadamente, o enterramento das suas linhas nos espaços densamente povoados e o afastamento das subestações para locais mais periféricos da grande metrópole.
Em particular, a conclusão da ligação da subestação de Alto de Mira (Amadora) à rede de 400 kV (através de duas linhas duplas) vai, ou não vai, tornar desnecessárias as três linhas de 220 kV que atravessam Odivelas? O poste no meio da Av. Abreu Lopes (da linha Fanhões-Alto de Mira 3) é para ficar para a posteridade ou é apenas uma situação provisória? E o que dizer sobre as várias linhas que atravessam o território de Vila Franca e Loures - uma das quais (a mais recente) com impacto visual inimaginável para um Estado-membro da União Europeia? Não passarão a ser estes problemas de mais difícil resolução a partir do momento em que a REN se tornar uma empresa de capital maioritariamente privado? Não poderia ser a privatização dessa empresa uma oportunidade única para resolver os mesmos?
Tudo perguntas sem resposta, num país com contornos terceiro mundistas à beira mar plantado.
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