12 fevereiro 2007

Um concelho sem rumo? (II)

O vereador responsável pelo Planeamento Estratégico anunciou, no final do ano passado (no âmbito do Salão Imobiliário de Lisboa), que Odivelas pretende tornar-se, num futuro próximo, um pólo de localização de universidades e de empresas com elevada incorporação tecnológica. Em particular, nas antigas instalações da Cometna (Famões), vai surgir um parque de escritórios de arquitectura futurista e com jardins suspensos dirigido a esse tipo de empresas. A imprensa local deu grande destaque a esse anúncio e até comparou o vereador ao mago George Lucas, o criador da saga "Star Wars"!
O Mestre Yoda, provavelmente o maior Jedi de todos os tempos, diria: "Muita prudência devemos ter"!
De facto, na Grande Lisboa já existe um pólo desse tipo, aliás, fluorescente: o eixo Miraflores - Carnaxide - Porto Salvo - Tagus Park (Oeiras), também conhecido como "Corredor Oeste" no mercado imobiliário. Mais recentemente, também o Parque das Nações se tem afirmado como local de implantação de algumas empresas tecnológicas. A ideia é, portanto, requentada.
Adicionalmente, importa notar que é muito difícil criar, numa área metropolitana como Lisboa, uma localização "premium" de escritórios, capaz de atrair empresas com elevada incorporação tecnológica ou ligadas aos serviços avançados de apoio às empresas (telecomunicações, produção de "software", consultoria avançada, etc.). De facto, nos últimos 20 anos, apenas foram criadas, grosso modo, três novas zonas de escritórios desse tipo na Grande Lisboa, para além da natural expansão para Norte do eixo Av. da Liberdade - Baixa, em direcção às Avenidas Novas.
As Amoreiras, a mais antiga dessas novas zonas, resultou originalmente de um investimento privado e inesperado, que renovou por completo um antigo parque de estacionamento dos autocarros da Carris. O empreendimento das Amoreiras surge com a entrada de Portugal na então Comunidade Europeia e com tudo o que isso significou em termos de oportunidades de negócio para os serviços avançados. Apostou na arquitectura espectáculo e em altura - explorando magníficas vistas sobre Lisboa e arredores - e num conceito inovador em meados da década de 80: a associação entre um centro comercial organizado em ruas e praças (ele próprio inovador), torres de escritórios e habitação de luxo, que permitiu tornar as Amoreiras num símbolo do Portugal europeu e aberto à sociedade do consumo. Notar que as Amoreiras inserem-se num bairro que já era (e é) um local de habitação de prestígio - veja-se, por exemplo, o famoso Bloco das Águas Livres, uma obra-prima da arquitectura moderna portuguesa - e aproveita a excelente acessibilidade à Auto-Estrada de Cascais (A5).
O citado "Corredor Oeste" aproveita igualmente essa acessibilidade e é servido também por um grande centro comercial, gémeo do "nosso" Odivelas Parque. Está inevitavelmente associado à visão do Dr. Isaltino de Morais, que soube importar para Oeiras (e para Portugal), no momento certo, um conceito muito em moda na década de 80 do Séc. XX, nomeadamente, em Inglaterra: os parques de ciência e tecnologia, que procuram fomentar os "spin-offs" tecnológicos entre a universidade e a empresa mediante a instalação de ambas num mesmo "campus". O Tagus Park, juntamente com a conclusão da A5, acabou por induzir a instalação de vários parques de escritórios que atraíram, fundamentalmente, empresas ligadas a sectores com forte incorporação tecnológica. Notar que Oeiras (e Cascais) eram já locais de habitação de prestígio quando o fenómeno dos parques de escritórios surge aí em força. Aliás, é difícil não associar o mesmo a uma das grandes verdades da Grande Lisboa: é óptimo viver na Linha mas terrivelmente complicado comutar todos os dias com Lisboa, o que poderá ter incentivado muitas empresas a deslocalizarem-se de Lisboa para Oeiras, ou a instalarem-se de raiz neste último concelho.
Quer as Amoreiras quer o "Corredor Oeste" têm, contudo, um problema: a ausência de metropolitano, o meio de transporte por excelência das urbes sofisticadas e cosmopolitas. A terceira nova zona de escritórios - o Parque das Nações - explora de forma estratégica essa lacuna das suas áreas concorrentes. Adicionalmente, é servida pela Linha do Norte (em articulação com o Metro) e por óptimas acessibilidades (A1, A12, CRIL, variante à EN 10). Está ainda muito próxima do Aeroporto da Portela, o que é uma grande vantagem quando estão em causa serviços avançados. Os múltiplos edifícios de escritórios que têm surgido no Parque das Nações exploram ainda um fantástico sistema de vistas e o prestígio que a zona (ainda) carrega, no rescaldo da Expo'98. São servidos igualmente por um (inevitável) centro comercial.
Desta forma, as Amoreiras, Oeiras e o Parque das Nações têm várias características comuns, enquanto locais de concentração de serviços avançados: 1) Foram outrora localizações relativamente periféricas face ao "central business district" de Lisboa; 2) São bem servidas por acessibilidades rodoviárias; 3) Têm um grande centro comercial; 4) São local de residência de quadros médios e superiores e possuem habitação de prestígio; 5) Têm, seguramente, excelentes redes de telecomunicações; 6) Emitem uma imagem globalmente favorável enquanto território / bairro, o que favorece a localização de empresas de prestígio.
Odivelas apenas cumpre as três primeiras condições, o que é manifestamente insuficiente para o rumo que se pretende traçar. Nos últimos anos, anda a tentar garantir a condição número 4) mas o caminho a percorrer nesse âmbito ainda é muito longo (ver Um concelho sem rumo? (I)). Aliás, um dos maiores desafios que Odivelas enfrenta actualmente é garantir que os quadros jovens que tem atraído nos últimos anos continuem por cá daqui a 10 anos. É que, se a maioria permanecer, talvez seja mais fácil trazer e fixar empresas nessa altura - nomeadamente, porque esses quadros poderão ter voto na matéria.
Em vez de se "começar a casa pelo telhado", era seguramente mais estratégico consolidar Odivelas como local de residência de quadros. O problema é que isso exige, por exemplo, combater eficazmente a pobreza, construir um parque urbano (prometido em 365 dias, lembram-se?), renaturizar as ribeiras, demolir casas nas AUGIs, enterrar postes de alta tensão, concluir os projectos PROQUAL, devolver o centro histórico aos peões, renovar o comércio de Odivelas do ponto de vista urbanístico, parar com a construção desenfreada e sem tino, e assim por diante. Quando esses problemas estiverem resolvidos, tudo o resto virá naturalmente, sem necessidade de voluntarismo público, sem forçar.
Relativamente à vontade em instalar-se um pólo universitário em Odivelas, parece-me uma estratégia bem mais interessante e muito menos arriscada. Disso se falará brevemente.
(Continua.)