29 maio 2007

A cidade radiosa (IV)


Após um período de "trabalhos forçados", continuemos o périplo pela "Cidade Radiosa de Odivelas".
Junto à Quinta Nova, que analisámos anteriormente em A cidade radiosa (III), bem como da faixa verde com equipamentos colectivos referida em A cidade radiosa (II), localiza-se o recente empreendimento Amorosa Place, da autoria do atelier Arquiteam [cf. (Ferreira, J. Rodrigues, 2005, Obriverca 20 Anos, Casal de Cambra, Caleidoscópio)]. Trata-se de um condomínio que tem suscitado grande polémica, com direito a notícias em jornais de grande tiragem e até no sítio da Ordem dos Arquitectos, alimentada por uma curiosa, e nada santa, aliança entre o PCP local e a Paróquia de Odivelas (!).
O Amorosa Place situa-se num antigo terreno outrora ocupado, constou-me, por uma fábrica de tripas, que emanava um cheiro nauseabundo. Esse lote localiza-se numa posição particularmente simbólica da Cidade de Odivelas, onde se faz a transição entre a "cidade tradicional" e a "cidade moderna", caracterizada por um tecido urbano consolidado e uma população residente algo envelhecida. Estamos, desta forma, perante a reconversão de uma área insalubre e central de uma cidade, facto que não é, infelizmente, muito comum nos tempos de hoje.
Parece-me que teria sido relativamente fácil para os arquitectos manter o alinhamento do antigo muro da fábrica e criar um condomínio fechado, ou seja, um espaço em que a habitualmente designada "porta da escada" não coincide com a "porta da rua", onde, nesse tipo de condomínios, é tipicamente colocado um portão ou uma cancela com segurança 24 horas por dia. Ora, não foi isso que os arquitectos fizeram: todas as "portas de escada" coincidem com as "portas de rua" - e foram mesmo criadas algumas lojas, sinal de evidente respeito pela cidade e pela rua.
Paralelamente, os arquitectos criaram um pequeno logradouro privado com piscina, de utilização reservada aos condóminos, que tanta celeuma tem levantado. Este tipo de espaços privados de uso colectivo não constituem por si, e quando bem enquadrados em soluções arquitectónicas com sentido de urbanidade, necessariamente um atentado à cidade. Inserem-se, aliás, numa tradição arquitectónica importante: o modernismo.
Le Corbusier, que não escondia a sua orientação política de esquerda e até a sua simpatia, em determinada fase da sua vida, pelo regime soviético, propôs esse tipo de valências colectivas de forma seminal na "Cidade Contemporânea para 3 Milhões de Habitantes" (1922) e, mais tarde (1946-52), na emblemática Unidade de Habitação de Marselha, um edifício evocador dos grandes transatlânticos que inclui, nomeadamente, uma creche, um jardim de infância, uma piscina, uma pista de atletismo, um ginásio, um solário, um anfiteatro e uma sala de convívio, entre outras facilidades ao dispor dos condóminos. Este edifício influenciou, por exemplo, uma das obras-primas da arquitectura modernista portuguesa - o Bloco das Águas Livres, dos arquitectos Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral (1956, Amoreiras - Lisboa) - que possui solário, jardim e garagem privados. Aliás, as garagens comuns e as salas de condóminos, que se tornaram universais nos prédios de hoje, são uma herança dessa linha de pensamento que procurava, por um lado, destruir a rua - a má razão - e, por outro lado, garantir ao homem urbano moderno um conjunto de facilidades tendo em vista aumentar o seu bem estar e a sua felicidade - a boa razão, tanta vezes esquecida nestes debates polémicos.
(Continua.)

26 maio 2007

FICYUrb

Nos dias 11 e 12 de Junho vai-se realizar no ISCTE (Lisboa) a "First International Conference of Young Urban Researchers (FICYUrb)", uma organização do CIES que conta com a colaboração do Fórum Sociológico - UNL e do Instituto Sociológico - UPorto.
Na sequência do repto que me foi lançado pelo meu grande amigo João Pedro, do Fórum Sociológico, vou fazer uma pequena comunicação no dia 12, apartir das 11:45 (ISCTE-II C202), integrada numa sessão colectiva sobre Planning spaces - Living spaces, intitulada: "O regresso da cidade barroca: o caso de Odivelas".
Quem quiser assistir e discutir é, naturalmente, muito bem vindo. O "draft" da comunicação já está "on-line" no sítio da FICYUrb. Eis o sumário dos trabalhos:

"A cidade das grandes avenidas coroadas por rotundas e construções monumentais, habitualmente associada ao período barroco, parece estar de volta às nossas cidades como reacção aos excessos e à decadência da cidade moderna. Será este regresso ao passado garante de uma melhor fruência do espaço público, de uma melhor circulação e de uma melhor qualidade de vida? O que se ganha e se perde com esta inflexão? Não será a cidade imaginada pelo Movimento Moderno, tão raramente conseguida na plenitude dos seus propósitos, apesar de tudo melhor que a evocação dos materiais, das palmeiras e das fontes?
Mais do que se procurar respostas definitivas para questões tão actuais numa Grande Lisboa em acelerada mutação, importa estudar o caso da Cidade de Odivelas que, por ter já uma história de mais de meio século de acentuado processo de urbanização, onde várias correntes urbanísticas deixaram as suas marcas, permite observar a passagem da “cidade tradicional” para a cidade moderna, que ocorre sobretudo a partir da década de 70, e desta última novamente para a “cidade tradicional”, já na década de 90 e de forma particularmente intensa nos primeiros anos do Séc. XXI, na sequência da criação do Concelho de Odivelas (1998)."

Uma questão de altitude


Pitões das Júnias auto-intitula-se a "Aldeia Mais Alta do País" com "1180m". Não me parece terra de gente mentirosa. Mas, neste país, tudo é possível...

17 maio 2007

Um dia diferente


Ontem estive em Pitões das Júnias, "a aldeia mais alta do País" (1180 m), na Serra do Gerês. Não é todos os dias que se vai a tão remoto local. Provavelmente, o mais místico de Portugal Continental.

15 maio 2007

Do céu


Perspectiva de Odivelas, Ramada, Serra da Amoreira e Ponte da Bica a partir do Dornier da Aerocondor que assegura a carreira aérea Bragança - Vila Real - Lisboa, na manhã de hoje, por volta das 9h00, com alguma neblina pelo meio. Em segundo plano temos Lisboa e o Monsanto, com o Tejo ao fundo.
É notória a continuidade da mancha urbanizada, como se Lisboa e Odivelas fossem uma só cidade.

01 maio 2007

A abertura

Tempos houve em que a abertura de uma nova avenida ou alameda era motivo de grande entusiasmo popular. Foi assim, por exemplo, com a Av. Rainha D. Amélia (actual Almirante Reis), como mostram Álvaro Barreto e Maria Filomena Mónica em Retrato de Lisboa Popular 1900. Ou até com a burguesa Av. de Roma, rasgada nas décadas de 40 e 50 do Séc. XX e que tão acentuada decadência tem apresentado nos últimos anos (um problema da Lisboa contemporânea que, algo inexplicavelmente, tem sido pouco abordado pela imprensa e pelos responsáveis políticos).
As avenidas já não são, infelizmente, local de encontro e de passeio mas simplesmente canais de passagem. As culpas são muitas vezes imputadas ao Urbanismo Moderno. Contudo, as causas parecem-me mais sociológicas: o entretenimento electrónico em casa (TV por cabo, DVD, computador, consolas, etc.) tem-se afirmado nos últimos anos com a própria afirmação da sociedade de consumo e, fora de casa, têm-se multiplicado os espaços comerciais e de lazer estudados para atrair as massas. Há também a tão apregoada questão da (in)segurança.
Serve esta introdução para referir que a recente abertura ao trânsito da Alameda do Porto Pinheiro, que liga directamente a EN 250 e a Av. Abreu Lopes às Colinas do Cruzeiro, não parece entusiasmar ninguém para além dos responsáveis autárquicos. São sinais dos tempos incontornáveis.
No entanto, a abertura dessa via tem dois efeitos muito mais importantes que a facilitação da circulação automóvel.
Em primeiro lugar, a Alameda do Porto Pinheiro revela uma cidade de colinas voltada a Sul, plena de luz, enquadrada por uma serra e por algumas manchas verdes no meio das casas a subir a encosta. É uma imagem muito mediterrânica e bem diferente, para melhor, daquela que fica na retina após a descida continuada da Calçada de Carriche. A imagem da Cidade é, pois, reforçada.
Em segundo lugar, essa nova via, ao criar uma variante à circulação pelo Centro Histórico, abre perspectivas para que este último seja devolvido aos peões, como muito boa gente anseia. Basta dar uma saltada ao vizinho centro histórico de Telheiras para se perceber o que se poderia fazer em Odivelas caso se condicionasse o acesso dos automóveis ao Largo D. Dinis e ruas envolventes.