27 junho 2007

O falhanço do Estado

Não é necessário ser-se um grande especialista em urbanismo ou em transportes para se perceber que vai ser cometido um erro em pleno centro da Cidade de Odivelas. No terreno confinante com a Estação de Metro foi recentemente instalado um estaleiro tendo em vista a construção de um grande bloco que ocupará uma área até agora livre de construção e cuja utilização sensata passaria pela construção de um interface com estacionamento e com condições mais confortáveis para os muitos passageiros de autocarro que por aí transitam. Nessa área também se poderia construir, em complemento, um jardim que favorecesse a imagem dessa importante entrada da Cidade e que se inserisse no espírito do sítio, caracterizado por uma interessante obra de arquitectura moderna e por um conjunto de urbanizações que se inserem naquilo que designo como "A Cidade Radiosa de Odivelas" - uma cidade construída segundo os princípios do Urbanismo Moderno e que, por essa razão, só faz sentido em termos estéticos e funcionais se intercalada com espaços verdes.
O principal partido da oposição ao executivo camarário tem feito grande alarido em torno do assunto, com afixação de cartazes junto ao Metro e também no seu blogue "oficioso" Odivelas de Cimento. Coloca, contudo, todas as responsabilidade pelo sucedido unicamente na Câmara Municipal, o que me parece algo exagerado e até demagógico.
Estamos perante um bom exemplo do falhanço do Estado em toda a sua linha, não apenas da Administração Local, mas também da Administração Central e do Estado enquanto accionista de empresas públicas que prestam serviços públicos.
A questão de fundo que está subjacente a este caso é que a Grande Lisboa, ou seja, os concelhos da Margem Norte da Área Metropolitana de Lisboa (Lisboa, Odivelas, Amadora, Loures, Vila Franca de Xira, Mafra, Sintra, Oeiras e Cascais) não podem ser geridos como uma mera soma de 9 municípios. Adquiriram nos últimos 10 anos, muito por culpa da CREL, da CRIL, das novas radiais e dos investimentos em transportes públicos (metro e comboio), uma lógica de funcionamento que os actuais poderes públicos não conseguem acompanhar e gerir. O que se tem passado na Cidade de Lisboa nos últimos meses é, aliás, um sinal evidente desse facto.
Defendo, há muitos anos, que a Grande Lisboa devia ser gerida por uma "super-autarquia", que permitisse dar uma lógica de conjunto ao que se está a passar nesse território nos últimos anos (a Margem Sul tem uma lógica própria e não deveria ser incluída nessa "super-estrutura", salvaguardando a necessária articulação entre margens). Só uma estrutura desse tipo permitiria oferecer um terreno mais favorável ao promotor como permuta, por exemplo num bairro histórico de Lisboa (o que teria também um efeito positivo em termos de reabilitação urbana). Uma câmara como a de Odivelas, pequena, jovem, praticamente falida e sem uma bolsa significativa de terrenos, não tem poder negocial suficiente para lidar com os "novos poderes" que se afirmam todos os dias. Limita-se a gerir as suas dificuldades do dia-a-dia como pode.
De qualquer forma, também é verdade que há muita gente em Odivelas que ainda não percebeu o que se está a passar. Odivelas já não é um mero subúrbio para lá de Carriche, de onde era difícil sair e chegar, uma espécie de "quintal" menosprezado (e desprezado) quer por Lisboa quer por Loures. É um território muito central, para onde as tendências seculares de afastamento do centro de Lisboa para Norte estão a chegar mais rapidamente do que a mudança das mentalidades. Quem vive perto do Metro de Odivelas sabe que o Campo Grande deslocou-se para Odivelas nos últimos anos, pelo menos em matéria de deslocação de pessoas. A CRIL vai estar fechada, espera-se, antes do fim da década. Na Brandoa, encostado ao Concelho de Odivelas, vai ser construído o maior Centro Comercial de Portugal, com 122 mil metros quadrados (mais 2000 que o Colombo). Nas Colinas do Cruzeiro vão viver mais de 10 mil pessoas, algumas delas vindas de Telheiras e de outras zonas de Lisboa. O território muda a velocidade alucinante. Odivelas já faz parte da Metrópole. E os seus políticos, também?

25 junho 2007

O fascínio dos "duplex"


A tipologia "duplex" exerce um grande fascínio sobre a generalidade das pessoas que vivem em (e gostam de) cidades. Mesmo sendo pouco práticos e difíceis de aquecer, são irresistíveis.
Os apartamentos de dois andares têm uma importância histórica na origem do Movimento Moderno e são essenciais para compreender a Cidade Moderna. Desenvolvem-se a partir da década de 20 do Século XX como reacção ao facto de as "cidades jardins", ou seja, as cidades de baixa densidade de moradias (o Restelo ou o Bairro da Encarnação são bons exemplos desse tipo de cidade em Lisboa), serem muito gastadoras de solo e promotoras da expansão urbana em mancha de óleo, como acontece nas cidades anglo-saxónicas. Os blocos com apartamentos "duplex" procuravam conciliar o melhor de dois mundos: empilhando as moradias seria possível confinar o crescimento da cidade, disponibilizando simultaneamente mais solo para parques, jardins e equipamentos colectivos. Era também uma solução mais económica do que as moradias, favorecendo o acesso à habitação sem perda de qualidade de vida. A cidade proposta pelo Movimento Moderno é, desta forma, conceptualmente uma "cidade jardim vertical".
Le Corbusier teve um papel fundamental no desenvolvimento desta brilhante ideia. Na sua "Cidade Contemporânea para 3 Milhões de Habitantes" (1922), os "immeubles-villas" - grandes blocos de apartamentos "duplex" semelhantes à sua moradia conceptual "Citrohan" - dominam a paisagem urbana juntamente com os "redents" (citados no último "post" a propósito da Quinta do Mendes) e com arranha-céus espelhados. Quer os "immeubles-villas" quer a casa "Citrohan" adoptam uma solução que é ainda hoje muito procurada (e paga a peso de ouro!): a sala com duplo pé direito e "mezzanine". Reza a lenda que Le Corbusier ter-se-à inspirado nos ateliers dos artistas parisienses e também num café que frequentava nos "loucos anos 20" para desenvolver esse tipo de sala tão urbana e agradável. Esse tipo de solução será também adoptada nos apartamentos da já aqui várias vezes referida Unidade de Habitação de Marselha.
Não são apenas os "duplex" de Le Corbusier que ficaram famosos na história da Arquitectura. Também as Casas para os Mestres da Bauhaus, construídas em 1925-26 em Dessau por Walter Gropius são ainda hoje uma importante fonte de inspiração. Nesses apartamentos "duplex" viveram artistas mais ou menos conhecidos de todos, como Wassily Kandinsky ou Paul Klee.
Também em Lisboa há alguns "duplex" famosos, como os inseridos no Bairro das Estacas (de Ruy d'Athouguia e Sebastião Formosinho Sanchez; 1949-1955) ou nos blocos da Av. Infante Santo (de Alberto José Pessoa, Hernâni Gandra e João Abel Manta, 1955). Mais recentemente, nas coberturas da Vila Expo (Parque das Nações Norte) foram também invocados os apartamentos-tipo os "immeubles-villas", provando que os ideais corbusianos estão muito longe de estar enterrados.

17 junho 2007

A cidade radiosa (VI)

A Quinta do Mendes resultou do loteamento de uma antiga quinta de veraneio, dedicada a Nossa Senhora do Monte do Carmo, cuja antiga casa foi reconvertida na actual Biblioteca Municipal D. Dinis.
Nesse loteamento foi sistematicamente empregue uma forma "clássica" da Cidade Moderna: os "redents", ou seja, edifícios dispostos em bandas denteadas.
Os "redents" foram propostos em 1922 por Le Corbusier na sua futurista "Cidade Contemporânea para Três Milhões de Habitantes". No entanto, será em 1930 que essa forma de dispor os edifícios se tornará famosa, através do plano do mais influente arquitecto do Século XX para Moscovo, conhecido como "A Cidade Radiosa", que foi apresentado no II CIAM (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna), em Bruxelas.
Tal como em "A Cidade Radiosa", também na Quinta do Mendes os "redents" desenvolvem-se ao longo de amplas faixas verdes (que aproveitaram parte do arvoredo da primitiva quinta), cruzadas por vias bem hierarquizadas (algumas de utilização exclusivamente pedonal) e dotadas de equipamentos colectivos (escolas primária e secundária, piscinas, o ansiado centro de saúde). A magnífica exposição solar do terreno favorece um urbanismo eclético que evoca os valores da insolação, dos espaços verdes e da circulação ordenada, mas também da praça mediterrânea.
A Quinta do Mendes é, muito provalvelmente, a experiência urbanística mais conseguida de Odivelas e uma das mais interessantes da Grande Lisboa, apesar de não ser isenta a críticas - nomeadamente, a crescente densificação que se observa quando se caminha do Centro Histórico para Norte. É, acima de tudo, uma justa homenagem ao Urbanismo Moderno e, em particular, a Le Corbusier e à sua forma de pensar a cidade.
Enterrado (ou desviado) que esteja o cabo aéreo de alta tensão da Av. Abreu Lopes - que trespassa, de forma quase mortal, tão interessante urbanização - a Quinta do Mendes poderá estar em condições de vir a ser classificada como património municipal.
É importante referir que a classificação de grandes conjuntos construídos segundo os princípios do Urbanismo Moderno poder-se-à tornar uma das "modas" dos próximos anos. Em particular, em Oeiras há muita boa gente a mexer-se para que a seminal urbanização de Nova Oeiras venha a ser classificada como legado para as gerações vindouras. Penso que a Quinta do Mendes, não tendo o mesmo significado e purismo de Nova Oeiras, tem qualidades urbanísticas suficientes para merecer tal galardão, notando ainda que se situa no perímetro de um importante monumento nacional (Mosteiro de S. Dinis), que importa salvaguardar.

15 junho 2007

Estilo Internacional

Descobri por acaso um sítio na Web de leitura aconselhável a todos:

http://nautilus.fis.uc.pt/cec/designintro/estilointer.html

Nesta página explica-se, de forma simples e pedagógica, o que é o "Estilo Internacional", que o autor destas linhas muito aprecia.
Esse estilo deixou, e deixa, marcas profundas nas nossas cidades, não sendo Odivelas excepção. Em particular, na rúbrica "A cidade radiosa" (que temos vindo a desenvolver neste blogue) procura-se compreender em que medida o "Estilo Internacional", nas suas vertentes urbanística e arquitectónica, tem moldado a nossa cidade.

12 junho 2007

Manual de Sobrevivência

O infelizmente já desaparecido Prof. José Ressano Garcia Lamas referia, nas suas aulas de Morfologia Urbana, ser Blade Runner um filme de visionamento obrigatório para o estudioso das cidades (e para todos aqueles que gostam de cidades - acrescentamos nós).
Filme de culto de Ridley Scott (1982), apresenta Harrison Ford, porventura pela primeira vez, naquilo que ele melhor sabe fazer: o papel de anti-herói, de homem simples que tem de lidar com desafios hercúleos - como a aniquilação dos "replicants", homens e mulheres criados em laboratório para tarefas também elas difíceis, de vida "luminosa" mas demasiado curta.
Blade Runner conta também com a presença da enigmática Sean Young, naquele que terá sido, porventura, o seu melhor papel. Ridley Scott filma-a aqui como mais ninguém a filmou, explorando a sua presença magnética, fascinante, entre paisagens urbanas fantásticas.
Esse filme tem também uma óptima banda sonora, da autoria de Vangelis, particularmente inspirado em fase ainda não "pimba".
Um óptimo filme, que deve ser visto à noite, por exemplo, na ressaca da sardinhada de Santo António que se aproxima rapidamente.
Absolutamente indispensável à sobrevivência em meio urbano.

06 junho 2007

FICYUrb aproxima-se

A "First International Conference of Young Urban Researchers (FICYUrb)" aproxima-se rapidamente: é já nos próximos dias 11 e 12 de Junho, no ISCTE, em Lisboa.
Entretanto, a sessão sobre "Planning spaces. Living spaces" foi alterada para a tarde de segunda, dia 11, a partir das 14h30, na sala C104 do Edifício II do ISCTE. O programa da sessão é o seguinte:

Moderador: Álvaro Domingues

Apresentações:

Mónica Farina
"Projecto e quotidiano num bairro de habitação social em Lisboa: o caso da Matriz H no Bairro da Flamenga"

Pedro Afonso Fernandes, CIDEC
"O regresso da cidade barroca: o caso de Odivelas"

João Ricardo Licnerski, Universidad Politécnica de Valencia
"Os Espaços de Nova Centralidade Urbana na Valência metropolitana."

Nuno Quental, Instituto Superior Técnico
"A organização espacial do território como contributo para a sustentabilidade"

Shakil Rahim
Carla Patrício
"Praça do Comércio: o espaço público como cenário. Que futuro?"

Entretanto, no próximo Domingo, dia 10,
na Malaposta vão ser exibidos os documentários "Lisboetas" (18h30) e "Gosto de ti como és" (21h30), com direito a comentário pelos respectivos realizadores, em iniciativa integrada na Conferência FICYUrb.
O Concelho de Odivelas está, desta forma, associado a este importante evento académico. Estamos perante um sinal da crescente centralidade de Odivelas, que não é alheio ao facto do Olival Basto (e Odivelas) serem servidos pela Linha Amarela do Metro, a mais central das quatro linhas existentes.

05 junho 2007

A cidade radiosa (V)

Fonte: Fundação Le Corbusier

Algures em meados do ano passado, quando a polémica em torno do Empreendimento Amorosa Place estava "ao rubro", andava eu entretido com um livro que deveria ser obrigatório nas nossas escolas secundárias como parte integrante da formação cívica dos jovens urbanos: Le Corbusier: Uma análise da forma de Geoffrey H. Baker (edição 1998 da Martins Fontes, num muito razoável Português do Brasil).
Foi então que descobri que existem várias semelhanças conceptuais entre o edifício poente (2) do citado empreendimento e um dos ícones do Movimento Moderno: as casas "geminadas" La Roche-Jeanneret (em Paris), projectadas em 1923 por Le Corbusier e pelo seu primo Pierre Jeanneret para um banqueiro e coleccionador de arte purista e cubista (La Roche) e para o irmão de Le Corbusier (Albert Jeanneret), onde está hoje instalada a Fundação Le Corbusier (ver foto acima). Eis as semelhanças:
1. Implantação em "L" no interior de um quarteirão;
2. Acesso (principal) através de um impasse;
3. Jogo cuidado de planos, com os remates salientes e o interior do "L" recuado;
4. Forte contraste entre uma massa embasada e outra suspensa sobre pilotis;
5. Recurso a terraços-jardim.
Acresce ainda o facto de, apesar de não se ter recorrido a janelas em fita no Empreendimento Amorosa Place (mal adaptadas ao nosso clima), as varandas são delimitadas por uma cortina de vidro também em fita, o que permite tornar a fachada particularmente transparente.
Naturalmente, existem 80 anos de diferença entre as realizações em análise. La Roche-Jeanneret é uma casa purista, famosa por Le Corbusier nela ter empregue os "Cinco Pontos para uma Nova Arquitectura" (ver Escola Avelar Brotero); o citado empreendimento, para além de ter o triplo dos pisos e algumas dezenas de apartamentos (em vez de dois), insere-se claramente num tipo de modernismo que aprecia a utilização de materiais vernáculos, algo que também caracteriza a obra corbusiana mas na sua fase pós-purista, a partir da década de 30 do Séc. XX.
Naturalmente, estamos no campo da especulação. Talvez um amigo(a) arquitecto(a) me possa ajudar a desvendar esta mera curiosidade de um mero subúrbio da Grande Lisboa.