25 fevereiro 2007

Centro histórico

Nunca confessei aos prezados leitores que nutro um especial fascínio pelo centro histórico de Odivelas, nomeadamente, pelo Largo de D. Dinis. Lembro-me de, em miúdo, ter uma certa vez passado de carro com o meu pai em frente a esse largo, de noite, e ter ficado fascinado com o Mosteiro de S. Dinis e com a ambiência medieva do sítio, absolutamente inesperada face à pressão urbanística que já se sentia na altura. Foi como se um tesouro se revelasse.
O Largo de D. Dinis, e o centro histórico de Odivelas em geral, é um daqueles lugares onde nos sentimos "estupidamente bem". De Inverno, é notória a amenidade do local: "uma implantação cuidadosamente estudada permitiu ao Mosteiro dispor de condições excepcionais de protecção contra os ventos dominantes do Nordeste, assim como uma óptima exposição solar, que lhe dão uma situação climática privilegiada (Tomé, Maria Manuela Justino. Odivelas - Um mosteiro cisterciense, Comissão Instaladora do Município de Odivelas, 2001). O sistema de vistas parece ter sido, apesar de tudo, salvaguardado praticamente na íntegra, sendo ainda possível avistar os montes de Nossa Senhora da Luz (a Sul) e de S. Dinis (a Poente) bem como a formosa Serra da Amoreira (a Norte). O antigo coreto, actualmente em processo de recuperação, dá uma ambiência saloia ao sítio e evoca outras eras, em que não havia tarde de Domingo sem banda filarmónica. A simpática Pastelaria Farruque também ajuda, com as suas fotografias da Odivelas de outros tempos e a sua doçaria tradicional.
Com a recuperação da Quinta da Memória (actuais Paços do Concelho), o centro histórico ficou ainda mais bonito. Mas há ainda muito a fazer, nomeadamente nas traseiras dessa quinta, ou seja, na projectada Praça Pública (ver foto). O financiamento previsto no âmbito do PROQUAL (Programa Integrado de Qualificação das Áreas Suburbanas da AML, do Programa Operacional Regional de Lisboa e Vale do Tejo) tem de ser aplicado rapidamente, sob pena de se perder. É que o Quadro Comunitário de Apoio 2000-2006 (QCA III) tem de estar fechado a 31.12.2008, o que significa que toda despesa tem que ser realizada, apresentada a pagamento e paga antes dessa data.
No âmbito da louvável reportagem de fundo que o Diário de Notícias realizou sobre os concelhos de Loures e Odivelas (14-02-2007), a Presidente da CMO, Dr.ª Susana Amador, afirmou ser sua intenção continuar a investir no centro histórico mediante recurso ao Quadro de Referência Estratégico Nacional 2007-2013 (QREN). É uma opção sensata dado que é sobretudo por aí que Odivelas se diferencia de Sacavém, da Amadora ou do Cacém (entre outros subúrbios) que, infelizmente para eles, não carregam uma história tão rica e antiga, transposta para vielas e pedras. Contudo, concentrar o investimento na reconversão urbanística do centro histórico poderá ser um risco.
O arquitecto Nuno Portas, numa conferência realizada na semana passada, criticou a "tendência para concentrar as intervenções de excelência" nos locais mais centrais das cidades, menosprezando a periferia, como foi prática corrente nas intervenções POLIS de primeira geração (cf. Público, 23-02-2007, p. 29). Esta perspectiva aplica-se que nem uma luva ao caso de Odivelas: de pouco valerá investir milhões no centro histórico se nada for investido em locais que têm sido votados ao abandono nos últimos anos e onde, mais tarde ou mais cedo, os problemas sociais já existentes ou em gestação se tornarão insustentáveis. Entre o centro histórico e os novos bairros há muito para requalificar, como a maioria dos eleitores sabe muito bem.

22 fevereiro 2007

A frustração da cidade

"A cidade sempre foi e será, pela natureza da sua essência, artisticamente fragmentária, tumultuosa, inacabada. Não encontramos nela essa forma definitiva e redonda por que anseia o sentimento estético. É por isso que toda a cidade, esteticamente falando, é uma frustração. O homem que, no campo da beleza, conseguiu realizações tão perfeitas, não conseguiu criar a cidade bela, apesar de tantos e tão ingentes esforços. Qualquer espírito sensível, qualquer temperamento estético que viaje e percorra as cidades do globo entende isto. Umas mais do que outras, todas as cidades deixam na alma do homem, ao fim e ao cabo, uma penosa insatisfação".
Goitia, Fernando Chueca. Breve História do Urbanismo, Editorial Presença, Lisboa, 2003, p. 34.

20 fevereiro 2007

Manual de Sobrevivência

"Casa", o tributo a Tom Jobim de Paula e Jaques Morelenbaum e de Ryuichi Sakamoto, continua a ser um dos discos mais bonitos dos últimos anos. Editado em 2002 pela Sony Classical, nele são recriados clássicos de António Carlos Jobim como "As praias desertas", "Sabiá" ou o "Samba do Avião". O título do álbum deve-se ao facto de ter sido gravado, em grande parte, na casa de Tom Jobim no Rio de Janeiro, fantástica na simplicidade da sua traça modernista. Também a música é fantástica na sua aparente simplicidade. Sem dúvida, um CD altamente recomendável à sobrevivência em meio urbano, e que também apetece levar para a praia, para o campo, para qualquer lado.

19 fevereiro 2007

Tremores


Foi à precisamente uma semana que a terra tremeu no Sul de Portugal Continental com a maior intensidade observada nos últimos 32 anos. Felizmente sem danos materiais.
É sempre bom lembrar, sobretudo em períodos de histeria construtiva, que o Vale do Tejo e, em particular, a Grande Lisboa são zonas particularmente expostas ao risco sísmico. E que o grande terramoto de 1755 arrasou praticamente por completo o primitivo Mosteiro de S. Dinis em Odivelas:
"Este mosteiro, com um início esplendoroso, que na opinião da maior parte dos autores foi «o mais grandioso que a Ordem de S. Bernardo [isto é, de Cister] teve neste Reino», não só pelas dimensões do seu edifício, mas também pela grandeza de privilégios e rendas e pelo número de religiosas que albergava, ficou bastante danificado com o terramoto do dia 1 de Novembro de 1755, que o arruinou quase totalmente, subsistindo apenas a cabeceira da igreja, o pórtico e duas alas do claustro, o que obrigou a que as freiras vivessem em barracas de madeira durante algum tempo" (Tomé, Maria Manuela Justino. Odivelas - Um mosteiro cisterciense, Comissão Instaladora do Município de Odivelas, 2001).
Pequenas são as grandezas do Homem face às forças da natureza. Estaremos realmente preparados para o pior?

18 fevereiro 2007

Palmeiras


As palmeiras estão de volta!

12 fevereiro 2007

Um concelho sem rumo? (II)

O vereador responsável pelo Planeamento Estratégico anunciou, no final do ano passado (no âmbito do Salão Imobiliário de Lisboa), que Odivelas pretende tornar-se, num futuro próximo, um pólo de localização de universidades e de empresas com elevada incorporação tecnológica. Em particular, nas antigas instalações da Cometna (Famões), vai surgir um parque de escritórios de arquitectura futurista e com jardins suspensos dirigido a esse tipo de empresas. A imprensa local deu grande destaque a esse anúncio e até comparou o vereador ao mago George Lucas, o criador da saga "Star Wars"!
O Mestre Yoda, provavelmente o maior Jedi de todos os tempos, diria: "Muita prudência devemos ter"!
De facto, na Grande Lisboa já existe um pólo desse tipo, aliás, fluorescente: o eixo Miraflores - Carnaxide - Porto Salvo - Tagus Park (Oeiras), também conhecido como "Corredor Oeste" no mercado imobiliário. Mais recentemente, também o Parque das Nações se tem afirmado como local de implantação de algumas empresas tecnológicas. A ideia é, portanto, requentada.
Adicionalmente, importa notar que é muito difícil criar, numa área metropolitana como Lisboa, uma localização "premium" de escritórios, capaz de atrair empresas com elevada incorporação tecnológica ou ligadas aos serviços avançados de apoio às empresas (telecomunicações, produção de "software", consultoria avançada, etc.). De facto, nos últimos 20 anos, apenas foram criadas, grosso modo, três novas zonas de escritórios desse tipo na Grande Lisboa, para além da natural expansão para Norte do eixo Av. da Liberdade - Baixa, em direcção às Avenidas Novas.
As Amoreiras, a mais antiga dessas novas zonas, resultou originalmente de um investimento privado e inesperado, que renovou por completo um antigo parque de estacionamento dos autocarros da Carris. O empreendimento das Amoreiras surge com a entrada de Portugal na então Comunidade Europeia e com tudo o que isso significou em termos de oportunidades de negócio para os serviços avançados. Apostou na arquitectura espectáculo e em altura - explorando magníficas vistas sobre Lisboa e arredores - e num conceito inovador em meados da década de 80: a associação entre um centro comercial organizado em ruas e praças (ele próprio inovador), torres de escritórios e habitação de luxo, que permitiu tornar as Amoreiras num símbolo do Portugal europeu e aberto à sociedade do consumo. Notar que as Amoreiras inserem-se num bairro que já era (e é) um local de habitação de prestígio - veja-se, por exemplo, o famoso Bloco das Águas Livres, uma obra-prima da arquitectura moderna portuguesa - e aproveita a excelente acessibilidade à Auto-Estrada de Cascais (A5).
O citado "Corredor Oeste" aproveita igualmente essa acessibilidade e é servido também por um grande centro comercial, gémeo do "nosso" Odivelas Parque. Está inevitavelmente associado à visão do Dr. Isaltino de Morais, que soube importar para Oeiras (e para Portugal), no momento certo, um conceito muito em moda na década de 80 do Séc. XX, nomeadamente, em Inglaterra: os parques de ciência e tecnologia, que procuram fomentar os "spin-offs" tecnológicos entre a universidade e a empresa mediante a instalação de ambas num mesmo "campus". O Tagus Park, juntamente com a conclusão da A5, acabou por induzir a instalação de vários parques de escritórios que atraíram, fundamentalmente, empresas ligadas a sectores com forte incorporação tecnológica. Notar que Oeiras (e Cascais) eram já locais de habitação de prestígio quando o fenómeno dos parques de escritórios surge aí em força. Aliás, é difícil não associar o mesmo a uma das grandes verdades da Grande Lisboa: é óptimo viver na Linha mas terrivelmente complicado comutar todos os dias com Lisboa, o que poderá ter incentivado muitas empresas a deslocalizarem-se de Lisboa para Oeiras, ou a instalarem-se de raiz neste último concelho.
Quer as Amoreiras quer o "Corredor Oeste" têm, contudo, um problema: a ausência de metropolitano, o meio de transporte por excelência das urbes sofisticadas e cosmopolitas. A terceira nova zona de escritórios - o Parque das Nações - explora de forma estratégica essa lacuna das suas áreas concorrentes. Adicionalmente, é servida pela Linha do Norte (em articulação com o Metro) e por óptimas acessibilidades (A1, A12, CRIL, variante à EN 10). Está ainda muito próxima do Aeroporto da Portela, o que é uma grande vantagem quando estão em causa serviços avançados. Os múltiplos edifícios de escritórios que têm surgido no Parque das Nações exploram ainda um fantástico sistema de vistas e o prestígio que a zona (ainda) carrega, no rescaldo da Expo'98. São servidos igualmente por um (inevitável) centro comercial.
Desta forma, as Amoreiras, Oeiras e o Parque das Nações têm várias características comuns, enquanto locais de concentração de serviços avançados: 1) Foram outrora localizações relativamente periféricas face ao "central business district" de Lisboa; 2) São bem servidas por acessibilidades rodoviárias; 3) Têm um grande centro comercial; 4) São local de residência de quadros médios e superiores e possuem habitação de prestígio; 5) Têm, seguramente, excelentes redes de telecomunicações; 6) Emitem uma imagem globalmente favorável enquanto território / bairro, o que favorece a localização de empresas de prestígio.
Odivelas apenas cumpre as três primeiras condições, o que é manifestamente insuficiente para o rumo que se pretende traçar. Nos últimos anos, anda a tentar garantir a condição número 4) mas o caminho a percorrer nesse âmbito ainda é muito longo (ver Um concelho sem rumo? (I)). Aliás, um dos maiores desafios que Odivelas enfrenta actualmente é garantir que os quadros jovens que tem atraído nos últimos anos continuem por cá daqui a 10 anos. É que, se a maioria permanecer, talvez seja mais fácil trazer e fixar empresas nessa altura - nomeadamente, porque esses quadros poderão ter voto na matéria.
Em vez de se "começar a casa pelo telhado", era seguramente mais estratégico consolidar Odivelas como local de residência de quadros. O problema é que isso exige, por exemplo, combater eficazmente a pobreza, construir um parque urbano (prometido em 365 dias, lembram-se?), renaturizar as ribeiras, demolir casas nas AUGIs, enterrar postes de alta tensão, concluir os projectos PROQUAL, devolver o centro histórico aos peões, renovar o comércio de Odivelas do ponto de vista urbanístico, parar com a construção desenfreada e sem tino, e assim por diante. Quando esses problemas estiverem resolvidos, tudo o resto virá naturalmente, sem necessidade de voluntarismo público, sem forçar.
Relativamente à vontade em instalar-se um pólo universitário em Odivelas, parece-me uma estratégia bem mais interessante e muito menos arriscada. Disso se falará brevemente.
(Continua.)