25 abril 2007

A cidade radiosa (III)

A urbanização conhecida como "Quinta Nova" assemelha-se a um quarteirão aberto, com quatro blocos implementados em torno de um largo (Elina Guimarães) projectado para ser um espaço verdejante, com caminhos exclusivamente pedonais (tipo V7, cf. A Regra das "7 V") e com um campo de ténis.
As estas características morfológicas típicas da Cidade Moderna há ainda que acrescentar, nomeadamente, o facto de todos os blocos serem acedidos através de vias secundárias (tipo V5/V6) bem como a adopção de uma arquitectura que privilegia os paralelipípedos, as galerias e os pilotis bem como a utilização do branco associado - nos blocos mais recentes - a caixilharia escura por vezes com janelas em fita, numa evocação, porventura, do Modernismo Purista ou Branco, das décadas de 20 e 30 do Séc. XX.
Contudo, a Quinta Nova está longe de ser uma operação urbanística plenamente conseguida. O principal problema reside no dito largo que, passados cerca de 20 anos após o início da construção da urbanização, apenas está infra-estruturado e ajardinado parcialmente. Aquilo que devia ser um espaço verdejante e de lazer não passa de um projecto disso mesmo, apesar dos progressos realizados nos últimos meses. É importante notar que, numa cidade construída segundo os princípios do Urbanismo Moderno (ou da Carta de Atenas, como é muitas vezes designado), as árvores (e as vistas) são muito mais importantes que o betão - algo que os nossos construtores e autarcas têm muita, muita dificuldade em perceber.
Mas, a sensação de algum "vazio urbano" que a Quinta Nova transmite parece-me que também se deve a uma certa hesitação que os arquitectos parecem ter tido em estruturar, de facto, essa urbanização em torno do Largo Elina Guimarães. Se nos dois blocos a Nascente (que confrontam com as ruas Cândido dos Reis e Prof. Doutor Egas Moniz) a frente e o tardoz foram tratados de forma algo indiferenciada (como mandam as regras do Urbanismo Moderno), nos blocos das ruas Alves Redol e Alfredo Roque Gameiro a frente foi claramente privilegiada, tendo-se perdido em coerência e em rigor formal aquilo que se ganhou no reforço da vida de rua ao longo das artérias principais.

19 abril 2007

Um manifesto moderno

"Queremos construir edifícios puros, como corpos orgânicos, despidos e radiantes por mérito das suas próprias leis inerentes, livres de falsidade e extravagância, edifícios que afirmem uma atitude positiva em direcção ao nosso mundo das máquinas, das comunicações e dos transportes de alta velocidade, que exibam o sentido e propósito da sua própria harmonia e que, através, da tensão criada entre os segmentos individuais da sua massa, rejeitem todo o supérfluo que possa obscurecer a forma absoluta da arquitectura".
Walter Gropius, Ideia e Desenvolvimento do Estado Bauhaus Weimar, 1923 (citado por Gilbert, Lupger e Paul Sigel, Walter Gropius: Promotor de uma Nova Forma, Taschen, 2006, p. 15).

17 abril 2007

A cidade radiosa (II)


Quando se sai da Estação de Metro de Odivelas tem-se, a Poente, uma urbanização da transição das décadas de 60 para 70 do Séc. XX que marcou o início da Cidade Radiosa de Odivelas. De facto, o seu desenho urbano é marcadamente moderno, cortando com a malha mais tradicional do centro de Odivelas, centrada na rua e no quarteirão.
Em primeiro lugar, os espaços verdes são o elemento estruturador dessa urbanização, ou seja, a (bonita) Alameda do Poder Local (onde se localiza a Junta de Freguesia) que se prolonga, em cotovelo, pela Rua José Gomes Ferreira, integrando aí um equipamento colectivo (jardim de infância). É importante notar que este tipo de faixas verdes com equipamentos colectivos são um dos elementos morfológicos mais importantes da Cidade Moderna, ao longo dos quais se deveriam desenvolver, teoricamente, vias exclusivamente pedonais (as V7, ver A Regra das "7 V").
A faixa verde em causa prolonga-se até ao recente jardim da Urbanização da Quinta Nova, passando pela futura (auto-denominada) Igreja da Codivel (ex-bairro do Casal da Amorosa), pela escola n.º 7 do 1.º Ciclo do Ensino Básico "Maria Máxima Vaz", por o que resta da antiga ribeira que corria ao longo do Vale de Romeiras (entretanto encanada) e pelo Supermercado LIDL. O Largo Elina Guimarães (Quinta Nova) também se insere, de alguma forma, nesta faixa, apesar de ainda não estar completamente ajardinado.
Em segundo lugar, em vez de quarteirões temos, na citada urbanização, torres tipo "concentrador social" (9 a 13 andares com 4 a 6 fracções por piso) e bandas - também características fundamentais da Cidade Moderna, onde a insolação e as vistas são particularmente valorizadas (cf., por exemplo, Lamas, op. cit.).
Em terceiro lugar, é notória a hierarquização das vias. Relembrando A Regra das "7 V", a urbanização é acedida através de uma via do tipo V4 (R. Alfredo Roque Gameiro), onde se localiza grande parte do comércio de proximidade, a partir da qual se desenvolvem vias dos tipos V5/V6 (Alameda do Poder Local, Rua José Gomes Ferreira, praceta circular junto ao jardim de infância). Existem ainda vias exclusivamente pedonais, ou longitudinais à dita faixa verde (tipo V7), ou transversais. Neste último caso, assumem a forma de "escadinhas", que permitem vencer a encosta com rapidez e conforto. Talvez os urbanistas tenham procurado, com esta última solução, evocar os bairros populares de Lisboa - ou não fosse Odivelas também uma cidade popular e de colinas.
O desenho desta urbanização respira a modernidade, não fria e meramente funcional, mas evocadora da vida de bairro, onde o pequeno comércio e o jardim-alameda têm uma importante função agregadora e onde há lugar à utilização de materiais vernáculos, como o azulejo.
Constou-me que esta interessante intervenção urbanística foi promovida por uma antiga empresa do Grupo Grão-Pará, de Fernanda Pires da Silva, que faliu na sequência do 25 de Abril de 1974. As partes sobrantes deram lugar, já na década de 80, à Quinta Nova, de que vos falarei a seguir.PS - Muito se agradece aos leitores que confirmem ou refutem estas indicações, para bem do conhecimento e da memória da nossa cidade.

14 abril 2007

A Regra das "7 V"

Para acompanhar os próximos "posts" sobre a Cidade Radiosa de Odivelas, convém ter por perto a Regra das "7 V(ias)". Trata-se da última proposta urbanística teórica formulada por Le Corbusier (em 1948), depois da "Cidade Contemporânea para Três Milhões de Habitantes" (1922), da "Cidade Radiosa" (1930) e de "Os Três Estabelecimentos Humanos" (1943), que consiste num sistema de vias de circulação integrado e convenientemente hierarquizado (Monteys, Xavier, Le Corbusier. Obras y proyectos / Obras e projectos, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2005).
Os sete tipos de vias são:
V1: estrada nacional que atravessa um país ou um continente (exemplos: IC 22, CRIL, EN 250);
V2: via municipal, artéria principal de cidade (exemplo: Av. Abreu Lopes);
V3: via reservada exclusivamente à circulação de veículos, sem calçada e não dando acesso a qualquer tipo de habitação ou serviço (exemplo aproximado: acessos ao IC 22 no Jardim da Radial); as V3, teoricamente, deveriam delimitar a unidade básica da Cidade Moderna: o Sector (que substitui o quarteirão da cidade "tradicional");
V4: rua comercial de cada sector;
V5: conduz os veículos e os peões às portas das suas casas, com auxílio das V6;
V7: faixa, exclusivamente reservada a peões, que acompanha longitudinalmente a zona verde de cada sector onde estão implementados os equipamentos colectivos (escolas, centros desportivos, centros de saúde, etc.).
Este tipo de organização das vias foi genericamente aplicado, por exemplo, nos Olivais. É curioso que, 50 anos depois do desenvolvimento do Plano de Olivais Norte [1955-58; o de Olivais Sul é datado de 1960/61; cf. Salgado, Manuel e Nuno Lourenço (coordenadores), Atlas Urbanístico de Lisboa, Argumentum, 2006], os engarrafamentos são caso raro nesse bairro. Em contrapartida, no Parque das Nações (e nos seus principais acessos) é o que se sabe. Sinais dos tempos...

12 abril 2007

Refrescamento

O sítio do CIDEC - Centro Interdisciplinar de Estudos Económicos (www.cidec.pt) tem um novo visual e novos conteúdos que merecem a sua visita.
Obrigado.

11 abril 2007

Manual de Sobrevivência

Keith Jarrett dispensa apresentações. O seu "Carnegie Hall Concert", gravado ao vivo em Nova Iorque no dia 26 de Setembro de 2005 (edição ECM, 2006), é fantástico, na linha dos grandes concertos improvisados do pianista, como os de Colónia (1975) ou de Paris (1988) (os meus preferidos!). Absolutamente indispensável para sobreviver em meio urbano.

10 abril 2007

A cidade radiosa (I)

O Metro é a forma mais inspiradora de se aceder à Cidade Radiosa de Odivelas. A Estação de Odivelas (2004), da autoria do Arq.º Paulo Brito da Silva, professor da Universidade Lusíada, não deixa margens para dúvidas: estamos a entrar em território "dominado" pelo urbanismo moderno.
De facto, temos formas simples. Temos grandes vãos que parecem colocar em causa as leis da Física. Temos betão aparente. Temos grandes janelas que permitem o interior "entrar" no exterior e vice-versa. E temos canhões ou chaminés de luz como, por exemplo, no Convento de La Tourette (1957-60), pintados com as cores primárias amarelo, vermelho e azul - uma prática utilizada por Le Corbusier em algumas das suas obras mais emblemáticas, nomeadamente na Unidade de Habitação de Marselha (1946-52), no Pavilhão de Exposições em Zurique (1967) ou no referido convento.
O Arq.º Paulo Brito da Silva sublinha, de acordo com o sítio do Metro, que essas chaminés "constituem um sistema de ventilação natural, dispensando os habituais meios de ventilação mecânica, que também admite luz amarela, vermelha ou azul, conforme a hora, o dia, o mês ou as condições climatéricas".
A Estação de Odivelas possui uma intervenção plástica de Álvaro Lapa, denominada Lâmina. De acordo com o mesmo sítio, "é uma série de estudos aumentados e passados a cerâmica tendo como motivo a representação do corpo proprioceptiva e simbólica". Para o artista "é simbolizado conscientemente o devir animal", notando que "Lâmina é anagrama de Animal".
Para além da evocação da cidade moderna, a Estação parece também evocar o passado de Odivelas, ligado à glorificação dos prazeres carnais proibidos.

07 abril 2007

De olhos bem abertos

Não há muitos meses comentei o esquecimento a que tem sido votada a mais importante quinta do Concelho de Odivelas - a Quinta do Barruncho - bem como o vale adjacente.
Foi com alguma surpresa que descobri uma notícia sobre a participação de Odivelas num concurso europeu destinado a jovens arquitectos (ver Diário Digital ou RTP). Em causa vai estar a apresentação de uma solução urbanística para o Sítio do Barruncho (7 hectares) que vá ao encontro do tema: "Urbanidade Europeia Sustentável e Novos Espaços Públicos".
Trata-se da nona edição de um concurso promovido por uma federação chamada Europan 9, "que se dedica às questões urbanas e arquitectónicas, na perspectiva do intercâmbio para jovens profissionais" - de acordo com o Diário Digital - e que, em Portugal, é presidida pelo conhecido Arq. Nuno Portas.
Para além de Odivelas, participam nesta iniciativa Santo Tirso e Loures (zona de cerca de 9 hectares a recuperar no Prior Velho), para além de outras 73 cidades europeias.
A participação de Odivelas é louvável dado que a zona em torno da Quinta do Barruncho, pelas suas características únicas em termos de património natural e construído, tem potencialidades de se poder vir a constituir como uma importante zona de lazer e cultura, não apenas para o Concelho, mas também para toda a Área Metropolitana de Lisboa - um pouco como já acontece com a antiga Fábrica de Pólvora de Barcarena, em Oeiras. Em particular, um projecto emblemático para esta área pode ser aquilo que falta a Odivelas para se afirmar plenamente na Grande Lisboa como um concelho jovem, dinâmico e sustentável.
No entanto, vamos estar todos de olhos bem abertos. A Câmara, consta, está quase falida. Por isso, a tentação em se continuar a construir desenfreadamente permanece bem viva e latente. É importante que as pessoas não se esqueçam que, no livrinho sobre o PDM distribuído no ano passado pela Sr.ª Presidente, o vale do Barruncho está afecto à Reserva Ecológica Nacional (REN). É que, por vezes, estes concursos de arquitectura têm como grande finalidade justificar intervenções urbanísticas "pesadas" em locais sensíveis do ponto de vista ecológico.
Não obstante, o tema, os objectivos e os critérios de selecção dos sítios Europan9 parecem-me sensatos, sendo de esperar algum bom senso em todo este processo.

06 abril 2007

Um concelho sem rumo? (III)

Antes do périplo pela Cidade Radiosa de Odivelas, gostava de terminar a trilogia "Um concelho sem rumo?" (ver também partes I e II) com uma breve reflexão em torno da intenção, já assumida pela Câmara Municipal de Odivelas, de desenvolver um pólo universitário no respectivo concelho.
Todo o folclore que tem vindo a público nas últimas semanas em torno da Universidade Independente (que ocupa um belo edifício modernista, aproveito a passagem) tem como causa profunda o grande problema que o ensino superior, quer público quer privado, enfrenta em Portugal neste novo século: a falta de alunos.
A questão é fundamentalmente demográfica (envelhecimento da população) mas existem outros factores que contribuem para a crescente escassez de procura por cursos superiores. O elevado abandono no 10.º ano, que leva muitos jovens a não concluírem o ensino secundário, também tem a sua quota parte de culpa, bem como o desinteresse de muitos (a maioria?) jovens e adultos em aprenderem ao longo da vida, nomeadamente, investindo em formação e educação, tão encafuados que andam, ou com os bares e as discotecas, ou com as contas para pagar no fim do mês. E há ainda a qualidade, em geral, sofrível do nosso ensino superior e da associada investigação, bem como os "esquemas" e as "invejas" que caracterizam o meio universitário, que têm como consequência, por um lado, a fuga dos melhores alunos para o estrangeiro (os "cérebros", como habitualmente são designados pela imprensa) e, por outro lado, a quase completa incapacidade do País em atrair estudantes, nomeadamente de pós-graduação, do mundo avançado e evoluído.
No ano lectivo em curso ainda se tentou o estratagema da entrada de alunos com mais de 23 anos e não necessariamente com o 12.º ano mas, apesar de o balanço dessa operação só se poder fazer daqui a uns anos, parece-me que a falta de alunos não se vai resolver com este tipo de diligência. O problema é incontornável e só as melhores instituições e os melhores cursos e/ou os que garantem melhores níveis de empregabilidade sobreviverão a médio e longo prazo.
Uma evolução profunda vai ter que ocorrer nos próximos anos, nomeadamente, no ensino superior privado que, por ser mais jovem e menos prestigiado, tem mais dificuldade em se aguentar acima da linha de água.
Uma saída possível poderá passar pelo investimento em novas instalações e equipamentos que cativem públicos habitualmente pouco atraídos pelo ensino superior privado. Instalações, por exemplo, com alojamento ou com salas de aula, laboratórios, ateliers, oficinas e gabinetes para os docentes do melhor que existe em Portugal. É que importa atrair não apenas alunos mas também os melhores docentes (por que não estrangeiros), sendo essencial dar-lhes condições de trabalho acima da média praticada pelo ensino superior público.
De facto, a maioria das universidades privadas que operam em Lisboa ocupam instalações, em geral, bem localizadas mas vetustas e mal adaptadas aos fins a que se destinam. Os exemplos são conhecidos do grande público e dispensam apresentações. Ora, essas instalações são, contudo, muito valiosas devido à sua centralidade e/ou valor patrimonial. Podem ser adaptadas facilmente a outros usos, por exemplo, habitação de luxo ou equipamentos hoteleiros. A sua colocação no mercado imobiliário não seria muito difícil e geraria um importante encaixe financeiro, que poderia suportar o investimento em instalações modernas e arejadas, na coroa mais periférica ou mesmo suburbana da Cidade de Lisboa, capaz de sustentar um salto qualitativo do ensino superior privado que o tornasse verdadeiramente concorrente do ensino superior público.
Foi dado recentemente um sinal de que esta pode ser a tendência: o ISLA vendeu as suas instalações na Lapa e mudou-se para Carnide, ocupando uma velha quinta magnificamente reabilitada. A proximidade do Metro e do Centro Colombo não terá sido, certamente, ignorada.
Ora, Odivelas tem também Metro e um grande centro comercial. Tem a CRIL e a CREL, quando se sabe que há cada vez mais estudantes do ensino superior a deslocarem-se de carro (basta passar no Campo Grande ao fim do dia para constatar essa realidade). Odivelas tem ainda algum solo livre. E tem tradição na instalação de instituições de ensino e formação (ISCE, Escola Profissional Agrícola D. Dinis, Centro de Formação Profissional para o Sector Alimentar, entre outras).
Por isso, parece-me que faz algum sentido desenvolver um pólo universitário em Odivelas - bem mais do que a instalação de empresas de elevada incorporação tecnológica, apesar do desenvolvimento de um pólo universitário poder potenciar, a médio prazo e se associado a uma vertente tecnológica, a localização desse tipo de actividades económicas.