28 novembro 2006

O vale esquecido

A Quinta do Barruncho localiza-se num magnífico vale, onde ainda corre uma ribeira cristalina em cuja várzea, não muito grande, o agricultor urbano mantém a sua horta (e ainda bem!). Nesse vale, esquecido pelo urbanizador, ainda é possível escutar o silêncio, de vez em quando interrompido por um "quad" ou "jipe" de um domingueiro sedento de ar puro, campo aberto e trilhos. O local é também óptimo para a prática de BTT.
Ao longo desse vale estabelece-se parte da fronteira oriental entre Odivelas e Loures. O projectado PDM (Plano Director Municipal) de Odivelas prevê a integração, da encosta poente do vale, na Estrutura Ecológica Complementar do Concelho (cf. infomail da CMO "Odivelas, o Futuro constrói-se Hoje", de Maio de 2006). Esperemos que na versão final do PDM tal se mantenha. E também que se projecte para aqui um belo parque urbano, que talvez não ficasse tão bem na fotografia como o projectado para a entrada da Cidade mas que, certamente, seria mais aprazível e agradável para utilizador, dadas as potencialidades existentes.
O leitor curioso poderá aceder ao vale pela zona Norte da Codivel (preferencialmente) ou então pelo Casal do Privilégio ou pelo Casal do Monte.

19 novembro 2006

Quinta do Barruncho

Faz hoje precisamente oito anos que a Assembleia da República aprovou por unanimidade a criação do Concelho de Odivelas. Permitam-me os prezados leitores que comemore esta data histórica, que coincide com o feriado municipal, com uma pequena história.
No território do Concelho de Odivelas localizam-se, ainda, algumas quintas, sobretudo nas freguesias de Caneças e Famões. Contudo, só uma é digna de constar da monumental obra Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa, de Anne de Stoop (Porto: Livraria Civilização, 1985). Trata-se da Quinta do Barruncho que fica, algo dissimulada pelo arvoredo do seu frondoso parque, na Póvoa de Santo Adrião.
Revela-nos essa autora que "a quinta hoje conhecida pelo nome de Quinta do Barruncho chamava-se, noutros tempos, Quinta da Granja (da Paradela) ou Quinta da Nossa Senhora do Rosário, a quem tinha sido dedicada a capela. (...) A casa, construída por volta de 1700, teria sido uma comendadoria da Ordem de Malta, o que explicaria o tamanho imponente da capela. (...) A fachada da construção principal, que evoca um pouco o barroco dos países do Norte, é duma grande originalidade. Tendo por centro a capela, é sobrepujada por uma larga empena trabalhada, no cimo da qual fica uma cruz com um campanário de cada lado. No interior, a capela guarda ainda o famoso Senhor do Bom Princípio, magnífico crucifixo contemporâneo da construção do edifício. A arquitectura deste templo majestoso, um pouco austera, foi enriquecida mais tarde, por volta de 1740, com uma decoração de azulejos azuis e brancos de muito boa qualidade. (...) À direita, é ilustrada a célebre batalha de Lepanto onde, em 1571, as forças cristãs, comandadas por D. João de Áustria, esmagaram a frota otomana, ajudadas, entre outros, pelos cavaleiros da Ordem de Malta. (...) A evocação dum acontecimento histórico preciso é relativamente rara nas pinturas sobre azulejo (...)" (p. 53).
Muito mais haveria a dizer sobre a singularidade da Quinta do Barruncho na região de Lisboa. Apenas direi o seguinte: após oito anos de elevação de Odivelas a concelho, a sua mais importante quinta continua a ser servida por um caminho de cabras manhoso que atravessa um bairro de barracas (com o devido respeito para os seus moradores). O que é que têm andado a fazer os nossos autarcas nos últimos anos, que nem conseguem acarinhar o que de melhor o Concelho tem, a começar pelas pessoas e acabando no património histórico? De património histórico recuperado, sinceramente só me lembro da Quinta da Memória...
Parabéns, Odivelas!

13 novembro 2006

Esclarecimentos

Disse o prezado leitor Carlos Pinto a propósito do meu "post" Palmeiras (II):
"Que demagogia pura e dura!!
O que se fazia? Não se plantavem palmeiras ou outras árvores na avenida em questão? Derrubava-se o poste da EDP que está lá ao fundo?
Esta não dá para compreender...
Qual é a sua proposta? Plantar árvores onde não haja qualquer vestígio de civilização?
Com lógicas destas continuavamos a viver nas cavernas...
Importa-se de fundamentar ou dizer onde quer chegar, p.f.?"
Muito obrigado pelo seu comentário. Reconheço que me tem faltado inspiração, e tempo, para explicar melhor aquilo que penso.
Vamos por partes.
Em primeiro lugar, as cidades sempre me fascinaram na sua multiplicidade de edifícios, espaços públicos, actividades económicas, raças e credos. As verdadeiras cidades são os espaços mais tolerantes que existem, onde diferentes classes sociais e culturas conseguem coexistir, onde cada um pode muito bem fazer e pensar aquilo que bem lhe apetecer (naturalmente, com certos limites), onde a liberdade individual pode ser exercida com alguma margem de manobra. As cidades são também fascinantes porque estão sempre a mudar e são imperfeitas e incompreensíveis por natureza. Por exemplo, a Economia tem alguma dificuldade em explicar o gregarismo das pessoas e das actividades económicas, remetendo muitas vezes as suas análises para o conceito difuso de "economias de aglomeração".
As cidades são inevitáveis e temos que aprender a gostar delas, algo que nem sempre é fácil em Portugal, que "queimou" as etapas da transição de uma sociedade fundamentalmente rural para uma sociedade fundamentalmente urbana talvez depressa demais, em apenas 20-30 anos. Odivelas é um território fascinante porque encerra "cidade" na verdadeira acepção da palavra e porque permite compreender, de forma muito clara, as tensões que essa transição gerou e continua a gerar no espaço e nas gentes (vejam-se, por exemplo, as AUGIs).
Em segundo lugar, não tenho nada contra as palmeiras que são, tal como as cidades, diversas e fantásticas, para além de nos transportarem para os imaginários mourisco e californiano - duas referências importantes na maneira tipicamente portuguesa de estar na vida. Por isso tenho vindo a divulgar, não com a regularidade que gostaria, alguns exemplares que embelezam o nosso concelho (e são muitos, felizmente!).
Em terceiro lugar, considero que as zonas verdes, bem como outras zonas sensíveis em termos ecológicos (por exemplo, as ribeiras), devem estruturar a nova cidade que se vai, inevitavelmente, construindo. Esta minha perspectiva exige um pequeno enquadramento para ser plenamente compreendida.
Em finais do século XIX, com a plena afirmação da revolução industrial, a cidade dita tradicional, planeada ou não mas tendo como principais elementos estruturantes a rua e o quarteirão, apresentava sinais de marcada doença: grande promiscuidade de usos do solo tipicamente incompatíveis (por exemplo, indústrias fortemente poluentes e habitação), insalubridade, congestionamento. Como resposta a esse estado das coisas surgiram, na transição do século XIX para o século XX, as cidades-jardim - de baixa densidade, com predominância de espaços verdes e com unidades de vizinhança estruturadas por impasses - e, já em pleno século XX (anos 20-30), a cidade imaginada pelo Movimento Moderno.
O apartamento constitui a base da cidade moderna, sendo agrupado em blocos de habitação dispostos livremente no terreno tendo em vista maximizar a insolação. A construção em altura, que a invenção do elevador potencia e que o betão possibilita com economia, é vista pelo Movimento Moderno como uma oportunidade de maximização do espaço público que fica, assim, mais liberto para as árvores e para os equipamentos colectivos, nomeadamente, de lazer como os complexos desportivos. A cidade deixa de ser estruturada pela rua e pelo quarteirão e passa a sê-lo por um sistema hierarquizado de vias de comunicação, pensado para a circulação do autómovel (entretanto, em plena afirmação), e por amplos espaços verdes. "Céu, árvores, betão e vidro" eram, por ordem decrescente de importância, os elementos do urbanismo moderno, de acordo com o mais influente arquitecto e urbanista do Movimento Moderno, Le Corbusier.
Os modernistas acreditavam, com alguma ingenuidade, que o planeamento e a construção padronizada seriam capazes de garantir o bem estar e a felicidade dos habitantes das cidades. Contudo, a cidade pensada pelo Movimento Moderno encerra vários problemas: tende a criar uma certa melancolia, que pode descambar em depressão generalizada, pode criar "guetos" (presentes ou futuros) quando o zonamento foi praticado com intensidade e depende muito da qualidade arquitectónica dos edifícios bem como da qualidade e da manutenção periódica dos espaços verdes, com os respectivos custos associados. Ou seja, o sucesso da cidade moderna depende muito da boa vontade dos promotores, dos construtores e das autarquias: em vez de "Céu, árvores, betão e vidro", rapidamente se passou a ter "muito betão, algum vidro, pouco céu e poucas ou nenhumas árvores". Subir a encosta de Santo António dos Cavaleiros em direcção à Cidade Nova ilustra bem como é tão fácil deturpar o urbanismo moderno, com os resultados conhecidos de todos.
À cerca de 10-15 anos, os elementos da cidade dita tradicional, como a rua, a avenida, a rotunda, o quarteirão e a praça (menos, esta última) têm regressado em força às urbanizações que se têm feito de raiz, pelo menos, na Área Metropolitana de Lisboa. A reacção aos problemas do urbanismo moderno não são a única explicação para esse fenómeno: a cidade de morfologia mais tradicional, se é verdade que propicia o surgimento de espaços com maior "urbanidade", quando associada à construção em altura garante maiores densidades (leia-se, receitas para as autarquias) e tem ainda a grande vantagem de custar menos a manter porque se podem reduzir os espaços verdes a pequenos jardins (ou canteiros) complementados, por vezes, com o ajardinamento das principais artérias ou com "parques urbanos" (mais mediáticos e propiciando o conhecido "corte de fita").
As urbanizações que se têm feito nos últimos anos em Odivelas seguem, em geral, esta via de pensamento. O Jardim da Radial, que de jardim não tem muito, é um bom exemplo: uma massa densa de prédios intercalada com dois ou três jardins bem cuidados para ajudar a compor o ramalhete. Ou a mais conseguida Quinta Nova, com os seus interessantes quarteirões abertos num dos lados, que constrastam bem com o Chapim, de inspiração mais modernista.
Porto Pinheiro adopta, em geral, este tipo de abordagem mais tradicional de cidade mas apresenta vários problemas: grande densidade; ausência de espaços verdes significativos (até agora, só se vislumbram as margens de uma ribeira); supostas unidades de vizinhança em banda maximizando o aproveitamento do declive; 3 linhas de muito alta tensão misturadas no meio dos prédios e das rotundas em vez de estarem ou enterradas ou balizadas por um espaço canal verde; proximidade de um centro comercial que poderá tornar inviável muito do pequeno comércio tradicional de bairro que se está a tentar implementar; palmeiras meramente decorativas para iludir o morador e o visitante, tal como os bons materiais em geral empregues na construção.
É isto o futuro que queremos para as nossas cidades? Eu acho que não!
Talvez devido à minha formação em Economia, em que o racionalismo cartesiano está sempre presente, a cidade (e a arquitectura) moderna exerce sobre mim grande fascínio. Experiências como o Bairro das Estacas, em Alvalade, Nova Oeiras, certas partes dos Olivais ou a Portela de Sacavém atraem-me particularmente, tal como a ideia, muito modernista e nada enraizada em Portugal, de que a cidade do subúrbio pode ser um local fantástico para se viver, não muito longe do centro mas suficientemente longe para se descomprimir ao fim-de-semana com as árvores sempre por perto.
Contudo, reconheço que uma cidade completa e viva necessita de ruas, de praças, de locais onde a vida fervilha e o inesperado acontece. Por isso, defendo que cidade deve conciliar elementos de desenho urbano mais tradicionais com outros de cariz mais moderno, como acontece, de forma muito feliz, no Bairro de Alvalade, em Lisboa - porventura, a última grande experiência urbanística de que Portugal se pode orgulhar.
Curiosamente, também em Odivelas existem esses vários tipos de cidade dada a sua já longa história de (sub)urbanização. É também isso que a torna um interessante estudo de caso, nem sempre fácil de analisar e de compreender na sua plenitude.

09 novembro 2006

O Muro de Berlim

Faz hoje 17 anos que foi derrubado o Muro de Berlim. Foi um dia inesquecível, em que (quase) todos acreditámos num mundo melhor...
A foto acima não retrata o dito muro mas ilude o observador menos atento. Trata-se de um troço do muro de suporte do IC 22. Fica muito perto da Estação de Metro de Odivelas o que não favorece nada a imagem da Cidade. Quem passa perto desse muro dificilmente não fica deprimido e não pode deixar de perguntar: E se um destes dias há um acidente ainda mais grave do que os muitos acidentes graves que têm ocorrido no IC 22 e vem cá parar abaixo um automóvel?
O Muro de Odivelas precisa urgentemente de uma intervenção de arte urbana que lhe dê vida e cor. Precisava de um artista plástico de renome ou, simplesmente, de um bonito grafitti, como aquele que existe à entrada da Piscina. Ou dos azulejos que as crianças das escolas de Odivelas pintaram há já alguns anos e que foram colocados literalmente debaixo da Calçada de Carriche, nunca percebi bem porquê. Coisas desta terra, deste país de brincadeiras.

02 novembro 2006

A "Terceira Circular"

O Público noticiou na passada terça-feira, dia 31 de Outubro, que o Ministério das Obras Públicas e as câmaras municipais de Lisboa, Amadora e Odivelas chegaram finalmente a acordo tendo em vista o fecho da CRIL - a"Terceira Circular" da Região de Lisboa e que tanta falta faz ao odivelense quando quer ir para os lados de Benfica, Belém, Algés e similares.
Trata-se de um impasse que se arrasta há cerca de uma década, que mete também ao barulho o Ministério do Ambiente e no qual o poder político tem cedido, por vezes de forma escandalosa, a "lobbies" como o dos moradores do Bairro de Santa Cruz de Benfica, prejudicando, com esse tipo de práticas nada recomendáveis, a vida de milhares de cidadãos metropolitanos.
O que é triste em tudo isto é que é difícil não associar a resolução de tamanha confusão ao novo centro comercial Dolce Vita Tejo que, consta, vai ser "o maior da Europa". Já não nos bastava o Colombo...