ODIVELAS : URBE
Apartidário. Construtivo. Eclético.
31 janeiro 2006
Manto Branco (VIII)
“Searching for another way
Hide behind the door
We’ll live in holes and disused shafts
Hopes for little more
I’m leaving in the Ice Age
I’m leaving in the Ice Age
Nothing will hold
Nothing will fit
Into the cold
No smile on your lips
Living in the Ice age
Living in the Ice age
Living in the Ice age”
Joy Division, “Ice age”, 1977
30 janeiro 2006
29 janeiro 2006
27 janeiro 2006
Enterrem os cabos! (I)
Com os seus 50 mil habitantes (aproximados), Odivelas é uma das maiores cidades do País. Por exemplo, tem tantos residentes como Évora ou Faro, importantes capitais de distrito e de região-plano (Alentejo e Algarve, respectivamente). Está encostada à Capital, detendo uma posição muito central na Área Metropolitana de Lisboa. Carrega uma importante história e possui alguns monumentos nacionais. É sede de concelho.
Não obstante todos estes factos, a Cidade de Odivelas é atravessada, no sentido nascente-poente, por 3 linhas de alta tensão de 220 KV da Rede Eléctrica Nacional (REN), sem que ninguém, aparentemente, se preocupe muito com o assunto.
São situações como esta que nos envergonham a todos, que provam que Portugal é, de facto, um País do Terceiro (Quarto?) Mundo. “Estamos na Europa civilizada!”.
26 janeiro 2006
Pressão urbanística e IRS
A construção de novas habitações no Concelho de Odivelas é um fenómeno que se acentuou nos últimos anos. Abrange praticamente todas as freguesias (sobretudo Odivelas, Ramada e Famões) e só não vê quem não quer ver.
O fenómeno não é, contudo, de natureza local. Vejam-se, por exemplo, os casos de Oeiras (onde fica o “Deserto de Porto Salvo”?), de Cascais (avanço em todas as frentes: S. Pedro, Parede, Carcavelos, Cascais, etc.), de Mafra (quantos concelhos de Portugal têm capacidade financeira para construir uma auto-estrada?), de Loures (já nem escapa o Conventinho!), de Lisboa (a densa Telheiras ou a megalómana e aberrante Alta de Lisboa) ou de Vila Franca (perigosa mistura de casas e indústrias poluentes e de risco) – para além dos tradicionais “maus alunos”: Amadora e Sintra.
A questão é simples: as autarquias estão falidas e as novas urbanizações são, porventura, a fonte mais segura de receita. “Os municípios têm o IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis], o IMT [Imposto Municipal sobre Transmissões] e as taxas de licenciamento de obras – tudo isto converge para licenciar, licenciar, construir, construir, construir ...” – diz como muita razão Paulo Trigo Pereira, coordenador do grupo de trabalho que está a rever a Lei das Finanças Locais (citado pelo Público, 25.01.2006, p. 29). Em cima da mesa parece estar uma eventual redução das taxas do IMI e do IMT, tendo como contrapartida para as autarquias uma possível participação nas receitas de IRS cobradas nos próprios concelhos.
É um facto que a redução das taxas do IMI e do IMT poderia diminuir a pressão para a construção. E seria uma medida justa, notando que a (primeira) habitação é um bem de primeira necessidade.
No entanto, se os municípios passarem a receber uma percentagem da colecta de IRS do respectivo concelho, irão certamente procurar aumentar essa colecta. E como é que isso se faz? Atraindo novos habitantes para o seu concelho. Como? Através de mais construção nova, não é verdade?
24 janeiro 2006
Duas notas prévias (II)
O segundo apontamento prévio que importa fazer no âmbito do tema do urbanismo remete para o facto das cidades de hoje serem, tipicamente, uma justaposição de loteamentos realizados por promotores privados. Da qualidade desses loteamentos e da relação que estes últimos estabelecem entre si depende a imagem que a cidade transmite, o seu maior ou menor interesse como um todo. Em Odivelas, infelizmente, o mau sobrepõe-se a alguns (poucos) exemplos de operações urbanísticas bem conseguidas. O cimento não é necessariamente mau: o problema está na forma como é aplicado.
22 janeiro 2006
Duas notas prévias (I)
Muito se escreverá neste espaço sobre urbanismo em Odivelas (e também em geral), como não poderia deixar de ser. O autor não tem pressa – há tanto a dizer – e pede alguma paciência aos leitores. Mas gostaria, desde já e em tom de preâmbulo, de fazer dois apontamentos prévios. Eis o primeiro:
Uma das desgraças de Portugal é a mentalidade anti-urbana (e anti-suburbana, por tabela). O comum dos mortais encara, em geral, a cidade como algo nefasto, horrível, cinzento, deprimente. O lisboeta (em sentido metropolitano) típico o que é que tem, ou gostaria de ter? Uma casita na terra, no pinhal, no Alentejo, no Algarve ou até mesmo no Brasil! Essa sim é, ou seria, a sua casa do coração. A casa na cidade é quase sempre encarada como “para desenrascar”. “As cidades não são para se viver os melhores anos das nossas vidas, são para se sobreviver”. Essa mentalidade, nada cosmopolita, leva a procura por habitação urbana a ser, muitas vezes, pouco exigente em termos qualitativos no que se refere ao parque edificado e ao espaço urbano envolvente. E a oferta nem sempre a esforça como poderia e deveria, também por culpa de muitos promotores / construtores que também partilham, e contribuem para, essa visão tão negra das coisas. Em Portugal existe uma espécie de nivelamento por baixo na construção das cidades (e não só, infelizmente). Poucos são os promotores / construtores, os citadinos e os autarcas que acreditam que as cidades podem ser espaços de grande qualidade de vida, que em muitos casos depende de pequenos pormenores de desenho urbano, como sejam a orientação solar dos edifícios, o desenho dos arruamentos ou o respeito pela característica dos sítios. Já alguém reparou que cada vez se fazem menos praças?
16 janeiro 2006
Muito interessante
Muito interessante – a reportagem “Subúrbios: Aqui tão longe”, com texto de Ricardo J. Rodrigues e fotografia de Jordi Burch, publicada na edição de ontem da revista Notícias Magazine (#712, 15-01-2006). Permite induzir meia dúzia de ideias-chave para se compreender a Área Metropolitana de Lisboa no início do Século XXI, e naturalmente Odivelas:
1. Como provavelmente só quem nasceu, cresceu, estudou (ou estuda), trabalha e vive em Lisboa ainda não percebeu, a vida não termina na Estrada de Circunvalação: começa a partir daí!
2. À medida que as relações entre os diferentes espaços metropolitanos se complexificam, com os empregos e os equipamentos comerciais, culturais e de lazer a extenderem-se à periferia (indo ao encontro da procura e de espaço a custo mais favorável, e aproveitando as novas acessibilidades rodoviárias), faz cada vez menos sentido falar de um centro metropolitano (a Cidade de Lisboa) e de uma periferia (os seus “subúrbios”).
3. Aquilo que está neste momento a cristalizar-se a velocidade vertiginosa, nomeadamente na Margem Norte (Grande Lisboa), é um continuo urbano a tender para uma certa uniformidade em termos sociais, económicos e culturais. Com a universalização dos equipamentos, e com a crescente escassez de espaço urbanizável na Cidade de Lisboa (e na primeira coroa de suburbanização – um tema a merecer vários “posts”), as classes sociais tendem a distribuir-se de forma mais uniforme pelo espaço, tal como os problemas sociais. A dualidade centro-periferia faz hoje cada vez menos sentido entre “Lisboa e o resto”, sendo cada vez mais transposta para uma escala mais pequena (da Cidade, do Concelho), apesar de Lisboa ser ainda o lugar por excelência dos grandes eventos, dos equipamentos e espaços de lazer mais singulares, das habitações mais exclusivas.
4. Esta tendência para a uniformização não se manifesta, contudo, de forma perfeita no território. Continuam a existir espaços da periferia mais bem dotados de equipamentos do que outros. Os erros e as experiências urbanísticas não se evaporam. O acesso a espaço público urbano de qualidade é uma miragem para muitos habitantes – mesmo na Cidade de Lisboa: veja-se, por exemplo, as recentes operações de realojamento realizadas na Freguesia da Ameixoeira, ou a incapacidade em garantir alguma urbanidade a Chelas. O potencial dos sítios também não é o mesmo à partida. Contudo, aquilo que importa reter é que as desigualdades são cada vez mais evidentes a uma escala mais micro (entre bairros, entre urbanizações ou mesmo entre prédios de um mesmo bairro), à medida que os próprios “subúrbios” começam a ter história e que o espaço livre é cada vez mais escasso – sendo este fenómeno particularmente visível em concelhos como a Amadora, Sintra ou Odivelas, pertencentes à primeira cintura de suburbanização.
5. Essa tendência longa manifesta-se de forma ainda mais imperfeita na cabeça das pessoas. Infelizmente, os estereótipos evoluem mais devagar que a morfologia do território, o que acentua os fenómenos de exclusão social associados ao território onde se reside. Disso o citado artigo é ilustração sintomática: temos a betinha de Oeiras, o criminoso inveterado da Trafaria, o ex-presidiário e amante de “tuning” do Cacém, o camponês peri-urbano de Alcochete. A questão de fundo é que em todos esses territórios metropolitanos existem jovens com essas características. Uma cidade cosmopolita é mesmo isso. Talvez por isso os jovens se fechem cada vez mais no bairro, na urbanização ou na casa onde vivem: “Cenoura, Flávio, Marta e Mauro são como todos os outros, cada vez mais empurrados para dentro dos vãos de escada, da porta de um prédio, de um quarto bonito ou de uma fazenda no meio do betão. Cada vez mais empurrados para dentro de si e do seu bando. Há uma tremenda ironia em tudo isto, porque o mundo é hoje mais acessível, mais informado e mais próximo do que alguma vez foi. É dura a vida na suburbe lisboeta. Cavernas de Platão, como em Paris”.
6. Bem mais interessante teria sido entrevistar uma betinha do Cacém ou um amante de “tuning” de Oeiras. Mas isso seria pedir demais de uma revista, com alguma qualidade é certo, mas tão “soft & clean” como é a Notícias Magazine.
11 janeiro 2006
O Vale das Flores
Para construir o seu “mosteirinho”, o Rei D. Dinis escolheu a sua Quinta das Flores, situada no vale do mesmo nome entre os montes da Senhora da Luz (a Sul), Tojais (a Nascente) e S. Dinis (a Poente) junto à Ribeira de Caneças. Como refere Manuela Maria Justino Tomé, no seu livro Odivelas – Um Mosteiro Cisterciense (Colecção Partimónios, n.º 3, Comissão Instaladora do Município de Odivelas, Janeiro de 2001, p. 14):
“Tratava-se de um local de terrenos bastante férteis, trabalhados agricolamente, marcados pela existência de quintas de recreio, pertença de pessoas influentes no reino, com abundância de água, recatados, não muito longe e de fácil acesso aos povoados mais próximos, nomeadamente Loures e Lisboa. Uma paisagem calma e de grande beleza permitia o recolhimento necessário, o silêncio absoluto exigido, com uma vida comunitária também levada ao extremo. (...) Este lugar tranquilo, com aptidões naturais correspondia aos objectivos determinados pela Ordem de Cister para a construção dos seus mosteiros”. Um verdadeiro paraíso, em suma.
Cinquenta anos de urbanização continuada transformaram por completo a paisagem de Odivelas, como todos sabemos. Mas será que o Vale das Flores permaneceu incólume?
Como a fotografia acima ilustra (tirada junto à cerca Sul do Instituto de Odivelas), o Vale das Flores ainda existe! E dele é possível vislumbrar a formosa Serra da Amoreira. Apenas o lixo ao longo da Ribeira de Caneças destoa um pouco a paisagem. Apesar da pendente, que belo parque verde daria a encosta Poente (à esquerda, na foto), com um pouco de imaginação e seguindo o princípio da “construção com a natureza”. E já tinha um forte candidato para nome, tudo menos cinzento: Parque do Vale das Flores!
09 janeiro 2006
Como era bela...
Como era bela a Quinta de Nossa Senhora do Monte do Carmo, também conhecida por Quinta do Mendes, com o seu lago, as suas cascatas, a sua vinha, a sua mata. Como nos explica Luísa Villarinho, no seu magnífico livro Uma casa de férias em finais do séc. XIX: Quinta de Nossa Senhora do Monte do Carmo (Lisboa: Editores & Livreiros, 1997), resultou de terrenos aforados em 1669 a Gil Vaz Lobo Freire, que neles ergeu a Ermida de Nossa Senhora do Monte do Carmo, onde jaz. Pouco sobrou dessa fantástica quinta ao camartelo: a ermida e o palacete, convertidos na actual Biblioteca Municipal D. Dinis – “um verdadeiro oásis cultural no meio desta mancha urbana [Odivelas] onde escasseia o espaço público de qualidade” (Expresso, Guia da Habitação, 20-04-2004, p. 92); as casas anexas, a precisar de restauro urgente; o mirante, o resto de uma cascata e algumas palmeiras. Originou, contudo, umas das mais interessantes urbanizações de Odivelas, sobretudo a sua parte poente (que confronta com a antiga estrada para Caneças), com os seus prédios de 4 pisos e as suas pracetas ajardinadas, o único espaço verde da Cidade que se pode comparar a um parque (estruturado em torno do velho mirante), os equipamentos escolares e desportivos.
08 janeiro 2006
A decadência que vem de longe
Odivelas é como Portugal: parece presdestinada à decadência. O problema é antigo e incontornável. A urbe de Odivelas desenvolveu-se, como é do conhecimento geral, em torno do Mosteiro Cisterciense de S. Dinis, fundado em 1295 pelo Rei D. Dinis, apesar do povoado ser mais antigo. Ora, esse mosteiro foi um dos locais preferidos dos freiráticos, nomeadamente de D. Afonso VI (que reinou de 1656 a 1683) e do seu sobrinho D. João V (1706-1750). Odivelas está intimamente ligada a práticas de lúxuria e de degradação dos costumes. E não apenas desde o séc. XVII.
Porque razão ter-se-à lembrado D. Dinis de fundar um mosteiro da ordem de S. Bernardo num lugar (na altura) belo e recôndito a “dois passos” de Lisboa?
Na versão oficial, o Mosteiro foi fundado como sinal de gratidão desse monarca por ter sido salvo pelo milagreiro S. Luís, bispo de Tolosa, do ataque de um urso durante uma montaria em Beja. A versão não oficial é bem diferente, como nos conta Manuel Bernardes Branco no seu livro As Minhas Queridas Freirinhas d’Odivellas (Typographia Castro Irmão, 1886) ao bom estilo de Oitecentos:
“D. Diniz, apesar de se entreter de vez em quando na guerra, ou em fazer versos, era, no tocante a mulheres, um conquistador d’alto lá com elle! Ver e amar – era obra d’um abrir e fechar d’olhos. Em summa, era um maganão de primeira força.” (p. 25)
“(...) Mas lá para que elle mandou fazer o mosteirinho d’Odivellas, isso sei. Foi para lá ter uma amante. Que a respeito do urso, não passa tudo d’uma endromina.” (p. 42)
“(...) O intento, continúa o chronista [de Cister, Fr. Francisco Brandão] que teve o rei [D. Dinis] para recolher n’elle religiosas de nossa ordem, foi, ao que parece, porque tinha duas filhas bastardas, que desejava accomodar de religião... Ah grande maganão! Só duas!... Quantas d’aquellas oitenta freiras que no teu reinado (segundo diz Pedro de Mariz) chegou a haver em Odivellas, seriam tuas filhas? E a mãe ou mães não iam para lá tambem?” (p. 45)
“(...) Sim, amigo leitor, ou um D. Diniz, ou um D. João V bastava, cada um per si, para repovoar o mundo, no caso de ser este mergulhado n’um diluvio! Mas o caso é que o senhor D. Diniz gozava sem limites, mas não queria que as filhas gozassem, e por isso tratava de as catrafilar em dentro d’Odivellas. E a graça que as cachopas achavam ao rei D. Diniz, quando elle lhes cantava na linguagam d’aquelle tempo:
Qanten fremosa mha senhora
De vos receei aveer
Muy ter que non ei poder
Demagura guardar que non
Veia mais tal confortei
Que aquel dia monerei
E perdeirei coitas d’amor...!” (p. 48)
Em suma, o que nasce torto...
06 janeiro 2006
A missão
Com o blogue ODIVELAS:URBE pretende-se desenvolver um espaço de reflexão em torno de um território tão problemático e, simultaneamente, tão fascinante como é o caso do Concelho de Odivelas e, em particular, da respectiva cidade sede de concelho (onde o autor destas linhas reside). Pretende-se que esse espaço de reflexão seja simultaneamente apartidário, construtivo e eclético.
Apartidário porque os poucos blogues especializados no Concelho de Odivelas têm uma inspiração claramente partidária, por vezes encapotada, outras vezes claramente assumida (e bem). E porque o autor não pertence a nenhum partido político, nem tem intenções em vir a pertencer. Tal não significa, contudo, que alguns temas a tratar não tenham implicações políticas, ou que não se venham a propor soluções para problemas concretos.
Construtivo porque o nosso território caracteriza-se, acima de tudo, por uma forte imagem negativa face ao exterior e, pior ainda, face a si próprio. As causas são antigas e estruturais, e disso nos ocuparemos afincadamente. Contudo, os problemas de auto-estima e de fraca imagem face aos outros não se resolvem com o exercício da crítica pura e dura. Importa identificar problemas, sem dúvida; e as correspondentes propostas de solução. Mas também importa identificar qualidades, pontos fortes, oportunidades de desenvolvimento, aspectos de que os odivelenses se orgulham e se podem vir a orgulhar ainda mais. Em suma, janelas de esperança.
Eclético porque analisar este território sem recorrer ao contributo conjugado da História, da Geografia, do Urbanismo, do Planeamento, da Sociologia, da Economia ou da Ciência Política, para não citar outras ciências, será pura perda de tempo. Por isso se agradecem, antecipadamente, todos os contributos na forma de comentários.