O falhanço do Estado
Não é necessário ser-se um grande especialista em urbanismo ou em transportes para se perceber que vai ser cometido um erro em pleno centro da Cidade de Odivelas. No terreno confinante com a Estação de Metro foi recentemente instalado um estaleiro tendo em vista a construção de um grande bloco que ocupará uma área até agora livre de construção e cuja utilização sensata passaria pela construção de um interface com estacionamento e com condições mais confortáveis para os muitos passageiros de autocarro que por aí transitam. Nessa área também se poderia construir, em complemento, um jardim que favorecesse a imagem dessa importante entrada da Cidade e que se inserisse no espírito do sítio, caracterizado por uma interessante obra de arquitectura moderna e por um conjunto de urbanizações que se inserem naquilo que designo como "A Cidade Radiosa de Odivelas" - uma cidade construída segundo os princípios do Urbanismo Moderno e que, por essa razão, só faz sentido em termos estéticos e funcionais se intercalada com espaços verdes.
O principal partido da oposição ao executivo camarário tem feito grande alarido em torno do assunto, com afixação de cartazes junto ao Metro e também no seu blogue "oficioso" Odivelas de Cimento. Coloca, contudo, todas as responsabilidade pelo sucedido unicamente na Câmara Municipal, o que me parece algo exagerado e até demagógico.
Estamos perante um bom exemplo do falhanço do Estado em toda a sua linha, não apenas da Administração Local, mas também da Administração Central e do Estado enquanto accionista de empresas públicas que prestam serviços públicos.
A questão de fundo que está subjacente a este caso é que a Grande Lisboa, ou seja, os concelhos da Margem Norte da Área Metropolitana de Lisboa (Lisboa, Odivelas, Amadora, Loures, Vila Franca de Xira, Mafra, Sintra, Oeiras e Cascais) não podem ser geridos como uma mera soma de 9 municípios. Adquiriram nos últimos 10 anos, muito por culpa da CREL, da CRIL, das novas radiais e dos investimentos em transportes públicos (metro e comboio), uma lógica de funcionamento que os actuais poderes públicos não conseguem acompanhar e gerir. O que se tem passado na Cidade de Lisboa nos últimos meses é, aliás, um sinal evidente desse facto.
Defendo, há muitos anos, que a Grande Lisboa devia ser gerida por uma "super-autarquia", que permitisse dar uma lógica de conjunto ao que se está a passar nesse território nos últimos anos (a Margem Sul tem uma lógica própria e não deveria ser incluída nessa "super-estrutura", salvaguardando a necessária articulação entre margens). Só uma estrutura desse tipo permitiria oferecer um terreno mais favorável ao promotor como permuta, por exemplo num bairro histórico de Lisboa (o que teria também um efeito positivo em termos de reabilitação urbana). Uma câmara como a de Odivelas, pequena, jovem, praticamente falida e sem uma bolsa significativa de terrenos, não tem poder negocial suficiente para lidar com os "novos poderes" que se afirmam todos os dias. Limita-se a gerir as suas dificuldades do dia-a-dia como pode.
De qualquer forma, também é verdade que há muita gente em Odivelas que ainda não percebeu o que se está a passar. Odivelas já não é um mero subúrbio para lá de Carriche, de onde era difícil sair e chegar, uma espécie de "quintal" menosprezado (e desprezado) quer por Lisboa quer por Loures. É um território muito central, para onde as tendências seculares de afastamento do centro de Lisboa para Norte estão a chegar mais rapidamente do que a mudança das mentalidades. Quem vive perto do Metro de Odivelas sabe que o Campo Grande deslocou-se para Odivelas nos últimos anos, pelo menos em matéria de deslocação de pessoas. A CRIL vai estar fechada, espera-se, antes do fim da década. Na Brandoa, encostado ao Concelho de Odivelas, vai ser construído o maior Centro Comercial de Portugal, com 122 mil metros quadrados (mais 2000 que o Colombo). Nas Colinas do Cruzeiro vão viver mais de 10 mil pessoas, algumas delas vindas de Telheiras e de outras zonas de Lisboa. O território muda a velocidade alucinante. Odivelas já faz parte da Metrópole. E os seus políticos, também?